20 de dezembro de 2010

Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito cantaram suas tatuagens

Um dos grandes amores da vida de Nelson Cavaquinho era Ligia, uma mulher sem-teto que dormia aos pés da estátua de dom Pedro 1º, na praça Tiradentes, centro do Rio. Os dois costumavam ficar horas conversando, tomando cachaça, ali, sentados à beira da escultura. Não raro adormeciam, só acordando com os raios do sol - ou sob a ordem de algum policial mal-humorado.

A fascinação de Nelson pela mulher chegou a tal ponto que o compositor resolveu tatuar o nome Ligia em seu ombro direito. Na mesma época o parceiro Guilherme de Brito havia feito o samba Tatuagem: O meu único fracasso / Está na tatuagem do meu braço... Ele fez a canção como uma forma de reclamar do preconceito que sofria da polícia e de muitas pessoas pela tatuagem que também levava no corpo, um índio em um dos braços. Um dia tentou até apagá-la esfregando castanha de caju no local. Só serviu para deixar o índio com uma cicatriz na testa.

Como os dois compositores tinham um acordo, Nelson entrou como parceiro da música, além de um tal Paulo Gesta. O compositor viu na letra uma forma de homenagear a amada, uma mulher que levava uma vida dura e sofria preconceito de tudo o que é lado. Já para Guilherme, era para reclamar da discriminação que ele próprio sofria. Não importa. O último verso cabe para os dois casos: Muita gente tem o corpo tão bonito / Mas tem a alma toda tatuada.

9 de dezembro de 2010

Viver, sofrer e amar demais

Ela abandonou o lar - num tempo que isso era um escândalo - para poder seguir o sonho de ser cantora. Maysa tornou-se dona de um dos repertórios mais melancólicos da música brasileira, e sua voz grave virou sinônimo de dor de cotovelo, de música de fossa. Dada a arroubos, sabia ser gentil e dar amor como poucos, mas também ia ao fundo do poço com as separações. "Minhas músicas refletiram meu estado de alma, minha tristeza e solidão. Nunca consegui compor nada alegre".

A Catedral da Sé, em São Paulo, estava cheia de pompa naquela tarde de 24 de janeiro de 1955. A família Monjardim, uma das mais importantes do Espírito Santo, dava a mão de uma jovem de 17 anos a André Matarazzo, sobrinho do conde Francesco Matarazzo, um dos homens mais ricos do Brasil. A moça entrou na igreja com vestido de cetim italiano branco adornado por pérolas, sendo clicada por ávidos fotógrafos de colunas sociais. Era enredo de conto de fadas para boa parte das jovens da época. Mas, mais tarde, todos descobririam que Maysa Figueira Monjardim era diferente. Logo depois romperia o casamento, se lançaria como uma das cantoras mais singulares do Brasil, encantaria multidões e seria vítima de desamores e angústias sem fim. A mulher dos enormes e profundos olhos verdes seguiria sua trajetória, como diz a música de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira famosa em sua voz, para "viver, sofrer e amar demais".
 
A menina nascida em berço de ouro já chocava as pessoas desde pequena pelo jeito sincero e corajoso. Na adolescência era arteira e namoradora, mas também apresentava tendências à depressão. Nessa época já tirava algumas notas ao piano. A primeira composição, com apenas 12 anos, desvelava seu estado de espírito não muito otimista: Adeus, que seria gravada mais tarde em disco.
O namoro com André Matarazzo começaria quando tinha apenas 15 anos. Ele era bem mais velho: 33 anos. Depois da festança, a vida do casal começou a ficar cada dia mais atribulada. Ela queria levar à frente a carreira de cantora. Ele não gostava nada da ideia. Até que um produtor a ouviu cantar numa festa caseira e se encantou com sua voz rouca e sedutora, e insistiu para que gravasse um disco. O marido cedeu, mas exigiu que a capa não trouxesse seu sobrenome e nem a foto da cantora. Assim aconteceu, mas o disco logo começou a fazer sucesso e o casamento a ruir, até Maysa ir para o Rio e confidenciar ao pai: "Não volto mais". Ser dondoca não era seu projeto, e jogava fora a vida confortável. Com o marido, teve seu único filho, o hoje diretor da Globo Jayme Monjardim.

Nasce a cantora
No Rio de Janeiro, Maysa começou a se apresentar em boates com as suas composições próprias. Era raro mulher compor à época. Logo gravaria outros discos e o sucesso ia aumentando. Entre as canções emblemáticas, Meu Mundo Caiu, Amargura, Tarde Triste, Felicidade Infeliz, Pedaços de Saudade, além de uma magistral versão de Ne Me Quitte Pas. Mas incomodava-se com a marcação cerrada da imprensa. Em 1958, como constata a biografia Maysa - Numa Só Multidão de Amores, de Lira Neto, não houve um dia sequer que não havia algo sobre a cantora em jornais paulistas e cariocas. 
 
Além da carreira em boates cariocas, começou a se apresentar no exterior, a comandar programas de tevê, a participar de filmes como atriz. Tamanha pressão fez que ela bebesse cada dia mais e a ficar mais irritadiça. Também costumava tomar remédios para emagrecer, que lhe piorava o humor. Mais tarde admitiria que aquela fora uma das fases mais turbulentas de sua vida. As músicas eram uma saída para desvelar sua personalidade melancólica. "Minhas composições sempre refletiram meu estado de alma, minha tristeza e solidão. Nunca consegui compor nada alegre", confessou a autora de mais de 50 cançõess. Para Manuel Bandeira, seus grandes olhos verdes eram "dois oceanos não-pacíficos". 
 
Os seus relacionamentos amorosos tinham a mesma intesidade da carreira. Uma das suas grandes paixões foi o (então) jornalista Ronaldo Bôscoli, que conheceu em 1961. Até mudou o repertório para gravar um disco só de bossas dele e de Roberto Menescal. Os dois seguiram juntos para uma turnê em Buenos Aires, mesmo com Bôscoli mantendo um relacionamento sério com Nara Leão. O clima foi apaixonado, mas também houve brigas homéricas em restaurantes e hotéis. Na volta, Bôscoli estava decidido a ficar só com Nara. Mas não esperava que Maysa fosse capaz de fazer tudo por amor. Ainda no aeroporto do Galeão, convocou a imprensa e disparou: "Quero anunciar que vou me casar com Ronaldo Bôscoli". O sujeito não soube o que fazer. Nara, sim, e o relacionamento acabaria para sempre.
Mas não com Maysa, que se manteria entre indas e vindas durante alguns anos, mesmo após ela se casar com o espanhol Miguel Azanza. Quando descobriu que Bôscoli iria se casar com Elis Regina, encontrou a cantora num bar e esbravejou: "Gauchinha, você não canta porra nenhuma", e quase acertou-a com uma garrafa de uísque. Mais tarde, afirmou: "A Elis é a melhor cantora do Brasil".

"Sou uma mulher só"
Já saturada de apresentações e sentindo que o momento era de músicas diferentes, Maysa decidiu passar uma temporada na Espanha. Voltaria em 1969, quando faria um antológico show no Canecão. O público exigiu que ela voltasse oito vezes ao palco. A revista Visão escreveu, na semana seguinte: "Quando sua voz quente, rouca, inapelável, se estendeu, abraçando o Canecão inteiro, houve o silêncio. Nem um som, nem o menor ruído, nem o gelo de milhares de copos ousavam sequer tilintar".

Depois, separou-se de Miguel e conheceu o Ator Carlos Alberto, com quem se cararia. O casal foi viver em Maricá, cidade que Maysa ficaria até o fim da vida. O casamento lhe fez beber menos, e sua alegria lhe traria de volta a beleza arrebatadora. Também voltou a gravar discos e a participar de novelas. Mas a relação aos poucos foi se desgatando, até separarem-se em 1975. A melancolia e o medo da solidão voltavam a assombrá-la.
No comecinho de 1977 recebeu a notícia de que seria avó. Encheu-se de alegria pela novidade, mas continuava triste com todas as outras coisas da vida. Para piorar, os remédios que tomava para emagrecer não a deixava dormir há dias. Entrou em sua Brasília e seguia do Rio a Maricá, mas não chegou a passar a ponte Rio-Niterói. O acidente em 22 de janeiro de 1977 abreviava a vida de uma das personalidades mais singulares da música brasileira. Ela tinha apenas 40 anos. No seu diário, uma das últimas anotações era: "Tenho 40 anos. 20 de carreira. Sou uma mulher só. O que dirá o futuro?".

19 de novembro de 2010

Música de preto e sobre preto (3): Funk, o novo samba

Há pouco tempo, num pequeno texto sobre cultura popular para a revista Almanaque Brasil, sugeri que o preconceito que rola contra o rap e o funk é o mesmo que o samba sofria há décadas. Todas as manifestações culturais de origem negra tiveram começo duro no Brasil. João da Baiana, por exemplo, cansou-se de ter seu pandeiro confiscado pela polícia na década de 1910. Mas não só os sambistas que encararam o preconceito.

A umbanda era considerado caso de polícia até a década de 1940, quando um congresso convenceu o presidente Getúlio Vargas a assinar sua legalização.

Os praticantes de capoeira também eram perseguidos até a mesma década, e praticá-la poderia dar pena de prisão de até três meses.

Hoje, os brancos de classe média e as meninas de colégios particulares lotam as rodas de samba pela cidade. As academias de capoeira também têm mais brancos que negros. Há espaços de umbanda em bairros chiques, e dondocas fazem fila para ter um conselho espiritual. Nada contra os brancos que frequentam estes espaços. Mas é irônico.

Sagaz, o sambista Geraldo Filme retratou este cenário em Vá Cuidar da Sua Vida, que contou com gravação definitiva de Itamar Assumpção no disco Pretobrás. Dando-me (inadvertida) liberdade como compositor, imagino como faria um outro Geraldo Filme daqui a 40 anos: Preto cantava funk / Dondoca passava mal / Essa música é violenta / As letras são do mau / Hoje, ela tá no funk / Requebra e acha graça / Agora ela é uma cachorra / Mas uma cachorra de raça....

Vá Cuidar de Sua Vida - Itamar Assumpção

17 de novembro de 2010

Música de preto e sobre preto (2): "Dona Ana fez de mim um homem, não uma puta"

O candidato Netinho de Paula (que levou meu voto) recebeu muitas críticas durante as eleições ao Senado em 2010. Algumas justas, como ter agredido sua mulher e acusações de não pagar direitos trabalhistas. Outras totalmente preconceituosas. Uma das que ouvi: "Netinho ficou rico e esqueceu a periferia. Aposto que se sente branco. Foi morar em Alphaville e pouco se importa com a quebrada".

É puro racismo. Enquanto os negros pobres que ascendem socialmente têm a "obrigação" de se preocupar a vida toda de onde vieram, aos brancos é propagado um mantra: "Suba na vida, suba na vida, suba na vida!". Ninguém acusa Silvio Santos de ter enriquecido e esquecido dos amigos camelôs. Pouca gente está preocupado se Samuel Rosa, Arnaldo Antunes, Dinho Ouro Preto, Tico Santa Cruz etc tinham origem pobre. Pior ainda quando já se é sabido que a pessoa era rica de infância. Sobre Luciano Huck, branco e rico desde pequeno, não se põe nenhum peso de ter de se preocupar com as questões sociais. Ele tem passe livre para a explorar a miséria humana até não poder mais em quadros como o Agora ou Nunca. O quadro é um caldeirão indigesto, numa humilhação sem fim para um pobre coitado levar 10 mil reais para casa. Huck pode morar em Alphaville à vontade. Tem todo o direito de ter quantos Audis quiser na garagem. Netinho, não. Ter nascido preto e periférico é uma marca que o cantor levará para o resto da vida.

Para que toda esta introdução? Para analisar um dos desabafos mais sinceros e fortes da música brasileira, vinda de um preto pobre que "subiu na vida": a música Jesus Chorou, escrita por Mano Brown, líder dos Racionais, principal grupo de rap do Brasil - e, para mim, o grupo contemporâneo mais talentoso e genial.

A música faz parte do disco Chora Agora, Ri Depois e o CD todo me soa como um desabafo contra os "zé povinho" (como Brown diz), que são as pessoas que o acusam de ter se tornado rico e desprezado a região de onde veio. Ao ganhar notoriedade e dinheiro, Brown parou de receber unicamente manifestações preconceituosas dos brancos de classe média, mas também pelos moradores da periferia. É como se um preto e pobre não tivesse para onde correr.

Jesus Chorou dá uma demonstração sem máscaras das inquietações, contradições e solidão de Brown. Por ser negro, por ter vindo da periferia, por ter se tornado um sujeito com dinheiro. O cantor, que sempre usou as questões raciais em suas músicas, agora se vê num paradoxo. Como uma frase que vez ou outra surge por aí: "Fala de pobreza mas tem Audi?".

Nos primeiros minutos da música é reproduzido um telefonema entre Brown e um amigo, que avisa ter encontrado um sujeito que diz: Esse Brown aí é cheio de querer ser / Deixe ele moscar e vir cantar na quebrada / Vamos ver se é isso tudo quando ver as quadradas / Periferia nada, só pensa nele mesmo / Montado no dinheiro, e cês aí no veneno. Num misto de indignação e preocupação, Mano Brown defende-se: Amo minha raça / Luto pela cor / O que quer que eu faça é por nós, por amor. Para depois disparar, num verso seco e irrefutável: Dinheiro é bom, eu quero sim / Se essa é a pergunta / Mas dona Ana fez de mim um homem, não uma puta.

A música segue com a mesma aflição e com grandes versos, como quando um sujeito dita a Brown como ele deve agir: Famoso pra caralho, durão, xi, truta / Faz seu mundo, não, jão / A vida é curta / Só modelo dando boi / Põe elas pra chupar e manda andar depois. Arrisco dizer que o último verso da música resume sua inquietação diante deste cenário opressor: Lágrimas...

Bem, é melhor ouvir Brown do que me ler. Segue no vídeo abaixo. Mas a pergunta que fica: já é possível a um negro ser rico em paz no Brasil? Já dá pro lugar natural deles não ser apenas a periferia, sem que haja nenhum ônus por isso? Jesus Chorou deixa dúvidas.

Ah, claro, não vale o Pelé...

Racionais MC's 1000 trutas 1000 tretas Jesus Chorou

15 de novembro de 2010

Semana da Consciência Negra: música de preto e sobre preto (1)

Na Semana da Consciência Negra, vou colocar uma canção por dia (de qualquer gênero) que retrate os negros, as questões e dilemas raciais e tudo mais o que envolva este tema tão mal resolvido no País.

Pra começar, Preconceito, um grande samba de Wilson Batista e Marino Pinto. Na letra, o sujeito, negro, suplica à amada branca que não o maltrate, já que, apesar de ser "moreno demais", "no fundo é um bom rapaz".

E fecha com um argumento irrefutável: Meu samba, vai e diz a ela / Que o coração não tem cor.

Este samba de 1941 dá um indício da naturalidade com a qual o racismo era tratado na época.

Assista, pela voz e violão de João Gilberto, uma das obras-primas de Wilson Batista.

João Gilberto - Preconceito - Montreux 1985

Vaias da música popular

Principalmente durante os anos 1960, a vaia se tornou protagonista de muitas apresentações de músicos brasileiros. A plateia - por um bom tempo - sentia-se na obrigação de deixar claro que fazia parte da apresentação. Muitos shows tiveram público mais apaixonado do que clássicos de futebol. Não se safaram sequer Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim, Gilberto Gil e outros nomes que hoje soam intocáveis. São boas histórias que mostram um tempo em que a ideologia vinha acima do bom-senso. Será que não repetimos a mesma falta de noção ao torcer o nariz pra muitos músicos atuais?

Uma das mais célebres foi a vaia que Tom Jobim e Chico Buarque tomaram no Maracanãzinho. Tom  suportou exatos 23 minutos de vaias durante a apresentação de Sabiá, na fase eliminatória do 3° Festival Internacional da Canção. A plateia de 20 mil pessoas que lotava o ginásio considerava a canção alienada. Quase todos torciam por Pra Não Dizer que Não Falei de Flores, a politizada canção de Geraldo Vandré.
Vandré tenta acalmar a plateia

O co-autor de Sabiá, Chico Buarque, escapou dos apupos por estar em turnê pela Europa. Na finalíssima, entretanto, teve que encarar a multidão. E suportar mais vaias, que calaram as intérpretes Cynara e Cybele. Ao fim da apresentação, Geraldo Vandré tomou as dores dos adversários e, ao microfone, proferiu uma de suas últimas frases em público durante muitas décadas. “A vida não se resume a festivais!”, bradou à plateia.

Contrariando a preferência popular, Sabiá foi a vencedora. E logo seria adotada como uma espécie de hino da saudade dos exilados políticos: Vou voltar / Sei que ainda vou voltar / Para meu lugar

Veja, abaixo, a intervenção de Geraldo Vandré - não registrada em vídeo. E, na postagem anterior, a vaia recebida pelo quarteto Chico, Tom, Cynara e Cybele. Não se deixe levar pela edição da Globo, que mostra um monte de gente com cara satisfeita. A vaia foi uma das mais feias da história dos festivais.

Cynara e Cybele cantam Sabiá - FIC 1968 - Rede Globo

14 de setembro de 2010

Adoniran, astro de cinema

Que Adoniran Barbosa é sambista dos bons todo mundo sabe. Possivelmente, o maior de São Paulo. Mas o autor de Trem das Onze também enveredou pelo cinema. Inclusive num dos clássicos do cinema nacional: O Cangaceiro, escrito e dirigido por Lima Barreto, lançado em 1953. 

O papel que lhe coube era de um dos cangaceiros do bando. Disfarçou o sotaque paulista e saiu-se muito bem como um legítimo nordestino cabra macho. Cinema não era novidade para Adoniran. Ao todo, atuou em mais de 10 filmes, mas nunca com a mesma repercussão de O Cangaceiro. O filme colecionou prêmios pelo mundo, inclusive sendo a primeira produção brasileira a levar uma premiação em Cannes: a de Melhor Filme de Aventura daquele ano.

Veja uma cena de Adoniran em O Cangaceiro no vídeo abaixo.

Adoniran no filme O Cangaceiro (1953)

24 de agosto de 2010

Sem saber, Agnaldo Timóteo fez nascer poderosa canção de protesto

Os compositores considerados subversivos eram vigiados de perto durante a ditadura militar (1964-1985). O principal recurso para burlar a censura era abusar das metáforas e contar com a pouca inteligência dos censores - o que costumava dar certo. Em 1972, porém, Paulo César Pinheiro resolveu escancarar ao escrever Pesadelo, em parceria com Maurício Tapajós. A canção ia direto ao ponto: Você corta um verso / Eu escrevo outro / Você me prende vivo / Eu escapo morto. "Propus a Maurício um canto de guerra. Uma canção em que não usássemos metáforas, em que dissessemos claramente o que pensávamos, direta, sem subterfúgios, sem firulas, sem máscaras”, explica Paulo no livro História das Minhas Canções (Leya, 2010).
Paulo César Pinheiro

O MPB4 prometeu gravá-la quando fosse aprovada, mas o grupo sabia que era quase impossível passar pelo crivo dos censores. Não contavam com uma artimanha de Paulo: enviar a música para análise dentro da pasta das músicas de Agnaldo Timóteo, que fazia parte da mesma gravadora - os cantores considerados românticos recebiam aprovação quase automática. Pesadelo voltou aprovada e sem cortes. Dizem que Agnaldo nunca soube da história.

A canção ganhou os shows do MPB4 e tornou-se uma espécie de hino de resistência durante os anos de chumbo. Até combatentes da Guerrilha do Araguaia a cantavam na selva para manter o moral elevado. “Por não ter metáforas, virou a mais poderosa música de contestação à ditadura”, afima.

Pesadelo (Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós)
Quando um muro separa, uma ponte une
Se a vingança encara, o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua, ela um dia é nossa

Olha o muro, olha o poste
Olha o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós
Olha aí...

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente...olha eu de novo
Pertubando a paz, exigindo o troco
Vamos por aí, eu e meu cachorro

Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós
Olha aí...

O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo-horizonte
Abraça o dia de amanhã
Olha aí...

MPB4 Pesadelo (1974)

5 de agosto de 2010

Nos sambas, pedaços de seu coração

O sambista baixinho e sedutor cunhou a expressão usada comumente até hoje: dor-de-cotovelo. Vítima de amores e desamores, de paixões avassaladoras e términos arrasadores, transportou para suas canções a melancolia que lhe acompanhava. Sem sair de Porto Alegre, tornou-se um dos maiores nomes do samba. Definia: “As minhas músicas são biografias das páginas mais tristes da minha vida”.

"Tudo o que eu canto é verdade", dizia Lupicínio
A cena é clássica: o cidadão entra no bar sozinho e melancólico. Na cabeça, a amada, “aquela ingrata”, que o abandonou. Pede chope ao garçom. Depois, passa pro uísque. Lá fica durante horas, com os cotovelos sobre o balcão, remoendo a tristeza pela separação amorosa. São esses momentos que inspiraram Lupicínio Rodrigues a construir um repertório sem paralelo na música brasileira, e a criar a expressão que caiu no domínio popular: dor-de-cotovelo.

Mas não foi apenas na observação alheia que o gaúcho construiu a sua obra. Boa parte das canções é autobiográfica. Sua vida amorosa cheias de desilusões serviu-lhe de inspiração para muitos sambas. São mais de 300. Depois de décadas de relações atribuladas, tinha algo para comemorar: “Eu tive muitas namoradas na vida. Umas me fizeram bem, outras me fizeram mal. As que me fizeram mal foram as que mais dinheiro me deram, porque as que me fizeram bem eu esqueci”.

Nascido em Porto Alegre a 16 de setembro de 1914, era o terceiro filho do casal Francisco e Abigail, que teriam 21 ao total. A infância foi pobre, mas digna. Era o primeiro homem e o mais mimado entre os irmãos. Pôde estudar, mas os pais ouviam muitas reclamações dos professores. Diziam que o pequeno Lupi (apelido que lhe acompanharia vida afora) só queria saber de baderna, de briga e de cantarolar. Já na adolescência foi parar no Exército, por ordem do pai, que queria garantir um bom futuro ao filho. Mas gostava mesmo era de passar noites em rodas boêmias, de fazer marchinhas para os blocos carnavalescos e de jogar futebol nos campos de várzea – décadas depois, inclusive, seria o autor do hino do Grêmio.

Com 16 anos, já no Exército, emplacou a primeira música num bloco: Carnaval, o marco inicial de sua carreira. E muitas viriam na sequência, além de se apresentar como cantor em conjuntos. Mas nunca aprenderia a tocar um instrumento sequer. Compunha era assobiando. Em 1932, Noel Rosa passou um tempo na cidade. Claro, se arranjou no circuito boêmio de Porto Alegre. Numa noite qualquer, assistiu ao conjunto Catão, no qual Lupicínio era cantor. Ao observar o adolescente, exclamou: “Esse garoto vai longe!”.

Nasce a dor de cotovelo
O primeiro grande amor de Lupicínio foi Iná, moça que conheceu em Santa Maria, no interior do estado, quando servia o Exército. O namoro durou seis anos, tornaram-se noivos. Só que ela vivia a reclamar de sua vida boêmia. Cansada, resolveu separar-se. Lupicínio ficou arrasado, mas seguiu a vida. Pouco tempo depois flagrou a moça de braços dados com um outro sujeito. Ela ainda avisou: “Prefiro me casar com qualquer um, até morrer de fome, do que voltar pra você”. O ciúme e a raiva fez nascer um clássico da música brasileira, Nervos de Aço: Você sabe o que é ter um amor, meu senhor / Ter loucura por uma mulher / E depois encontrar esse amor, meu senhor / Nos braços de um tipo qualquer. Iná ainda seria inspiradora de várias outras. “Tudo o que eu canto é verdade”, revelaria.

Mas o sucesso nacional demoraria. Porto Alegre era um lugar distante dos centros Rio e São Paulo. Se chegava por aquelas bandas praticamente só pelo mar. Os marinheiros – que frequentavam as boates da cidade – foram os responsáveis por levar a produção cultural local para outras plagas. E foi pelos marinheiros que Cyro Monteiro, que vivia no Rio, descobriu a música Se Acaso Você Chegasse, de Lupicínio e Felisberto Martins, em 1938. O samba se tornaria um grande sucesso na voz de Cyro, e o restante do Brasil começaria a conhecer Lupicínio.

Viveu e morreu do coração
É melhor brigar junto do que chorar separado”, costumava ensinar Lupicínio. Só tinha uma coisa que gostava tal qual as mulheres: a boêmia. Ele abriu bares para ganhar dinheiro e continuar na vida boêmia ao mesmo tempo. Chegou a confessar: “Eu não sou músico, não sou compositor, não sou cantor. Eu sou boêmio”. Mas também engajou-se na causa dos compositores. Em 1946, fundou a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (Sbacem) na cidade. E continuava a compor sem parar.

Um dos mais importantes divulgadores de sua obra foi Francisco Alves e, principalmente, Jamelão. O mangueirense dedicou discos exclusivos às canções de Lupicínio, entre as quais o clássico Vingança, outro recado para uma mulher que o abandonou. Sentimental e mulherengo, teve muitas paixões que lhe inspiraram sambas: Ela Disse-Me Assim, Volta, Esses Moços, Dona Divergência. Numa entrevista ao Pasquim, perguntaram: “Você tem alguma música cujo tema não seja mulher?”. A resposta: “Se tenho, não me lembro agora”. Numa outra entrevista, confessou: “As minhas músicas são biografias das páginas mais tristes da minha vida”.

Vinicius de Moraes emitiu uma verdade cristalina sobre os poetas e o ato poético: 'todo poeta só é grande se sofrer'”, lembra o pesquisador musical Ricardo Cravo Albin. Para depois, finalizar: “Nesse contexto, Lupicínio terá sido o maior dentre todos os poetas do cancioneiro. Porque ninguém exibiu – com tal opulência – os sofrimentos e as dores-de-cotovelo como o gaúcho baixinho, de voz mansa e olhos indecifráveis, numa estranha mistura de mel, sensualidade e carência afetiva”. Talvez a mais importante confissão deste estado de espírito seja um verso de Ponta de Lança: Uma pessoa prestando atenção /Vê que as rimas dos versos / Que eu faço / Trazem pedaços do meu coração. Em 1974, aos 59, Lupicínio morreu como viveu: do coração.

Lupicínio Rodrigues - Pout pourri (programa "Sambão" - 1973)

22 de julho de 2010

João da Baiana precisou de senador para tocar pandeiro em paz

O samba é o estilo musical mais popular do País, mas no começo do século passado era caso de polícia. Os músicos poderiam ser levados para a delegacia simplesmente por estarem “armados” com um pandeiro ou com um violão. João da Baiana não foi exceção. Negro, morador de subúrbio e sambista, era comum que a polícia confiscasse seu instrumento musical. “Samba e pandeiro eram proibidos na década de 20. A polícia perseguia a gente. Eu ia tocar na festa da Penha e a polícia me tomava o instrumento”, disse décadas depois, já consagrado.

Ao mesmo tempo, parte da elite via qualidades no estilo musical dos morros cariocas. Entre os quais, o senador Pinheiro Machado, que costumava organizar rodas de samba em sua espaçosa casa no bairro de Laranjeiras. João da Baiana era sempre convidado. Um dia, porém, não apareceu. O político quis saber o motivo, e João confessou que a polícia havia tomado, mais uma vez, seu instrumento. Na mesma hora, Machado mandou fazer um novo numa loja da rua do Carioca. E ordenou ao dono da loja que colocasse uma dedicatória no pandeiro: “A minha admiração, João da Baiana – Senador Pinheiro Machado”.

A dedicatória do poderoso homem passou a valer como um escudo contra as investidas policiais. Deu certo. João da Baiana, considerado o introdutor do pandeiro no samba, teve paz para tocá-lo “até rasgar o couro”, como se diz. Depois, guardou como um amuleto. Neste, a polícia nunca tocou. Só João da Baiana.

No vídeo abaixo, João da Baiana está ao lado de outros dois sujeitos bons de música, executando mais uma de suas especialidades: tocar prato e faca.

Pixinguinha, Baden Powell e João da Baiana - Lamento

1 de julho de 2010

Saudade faz nascer clássico da música brasileira















 O jornalista Sérgio Bittencourt era famoso pelo estilo polêmico. Não poupava críticas ácidas sobre música popular em jornais e revistas. Tornou-se também um rosto conhecido ao atuar como jurado nos programas de Flávio Cavalcanti. Mas as palavras ficavam doces ao falar sobre a admiração que tinha pelo pai, Jacob do Bandolim, um dos maiores músicos de choro da história do País.
A morte de Jacob, em 1969, foi dura para o rapaz de 29 anos. Em sua homenagem compôs a comovente Naquela Mesa: Naquela mesa ele sentava sempre / E me dizia sempre o que é viver melhor / Naquela mesa ele contava histórias / Que hoje na memória eu guardo e sei de cor... Há quem diga que a canção foi escrita durante o velório do pai. A música ficaria famosa nas vozes de Elizeth Cardoso e Nelson Gonçalves e tornaria-se um clássico, quase obrigatória em repertórios boêmios Brasil afora.
Para Sérgio, era apenas a forma encontrada para relembrar o seu grande ídolo. E para revelar a tristeza de nunca mais ver a figura do pai: Naquela mesa está faltando ele / E a saudade dele está doendo em mim. Em 1978, um ano antes de morrer precocemente, o jornalista declarou: "Tenho certeza e assumo: não sou nada, porque, de fato, não preciso ser. Me basta ter a certeza inabalável de que nasci do amor, da loucura, da irrealidade e da lucidez de um gênio".
Ouça a música no vídeo abaixo.

Naquela Mesa, pela voz de Nelson Gonçalves

17 de junho de 2010

Francis e Antonio gravaram o melhor disco de 1967

A bossa nova fez mais do que sacudir Nova Iorque em 1962, no histórico show de músicos brasileiros no Carnegie Hall. Parte mudou-se para os Estados Unidos, como João Gilberto, o grupo Bossa Três e Tom Jobim. No país, o compositor produziu discos e ensinou os norte-americanos a tocar o ritmo do momento.

Com saudade do Brasil, Tom desembarcou no Rio em julho de 1964. Tratou de retomar a vida, fazer coisas nas quais era craque. Ficar horas tomando chopes no Veloso, por exemplo. Numa tarde qualquer, porém, estava no bar quando recebeu um telefonema que mudaria sua vida por um tempo. Ao atender, demorou para crer que o sujeito que falava inglês era Frank Sinatra. A Voz o convidava para gravar um disco. E ainda pediu: "Não tenho tempo para aprender canções novas e detesto ensaiar. Vamos ficar com as mais conhecidas, os clássicos".

Era a senha para Tom voltar aos Estados Unidos. Deste encontro histórico sairia o disco Francis Albert Sinatra e & Antonio Carlos Jobim - eleito pela crítica norte-americana o melhor álbum de 1967 -, com direito a um dueto magistral em Garota de Ipanema (assista ao vídeo abaixo). Foi o segundo disco mais vendido do ano, perdendo somente para Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. A dupla se reuniria novamente em Sinatra & Company, dois anos depois.

Sinatra & Jobim - The girl from Ipanema (trad./trans.)

10 de junho de 2010

Cabo Laurindo, um herói inexistente da música brasileira

Ouça as músicas enquanto lê o texto. Vai ajudar a entender a saga desse misterioso personagem da música brasileira. A gravação é dos irmãos Chico e Cristina Buarque.

Um personagem inusitado surgiu na música brasileira em 1943. Era Laurindo, protagonista da canção homônima de Herivelto Martins composta para o carnaval daquele ano. A música era uma continuação de Praça Onze, esta primeira sobre a destruição da praça onde as escolas de samba cariocas desfilavam.

No novo samba, o personagem subia o morro comemorando: Não acabou, a Praça Onze não acabou / Vamos esquentar nossos tamborins. O nome “Laurindo” também tinha sido usado num samba de Noel Rosa na década anterior, mas a foi a partir da canção de Herivelto que começaria a inspirar outros compositores da cidade.

Afinal, quem era Laurindo? Ninguém. Ele nunca existiu, mas caiu nas graças dos sambistas da época (até hoje não se sabe por quê). O mais notório continuador da saga de Laurindo foi o sambista Wilson Batista. Com uma diferença. O compositor transformou-o num diretor de bateria da Mangueira, mas que parou as atividades carnavalescas para lutar na Segunda Guerra Mundial. Como conta a letra de Lá Vem Mangueira: Lá vem Mangueira / Sem Laurindo na frente da bateria/ Perguntei: Conceição, o que aconteceu? / Laurindo foi pro front, este ano não desceu.

Só que Wilson tratou de dar um final feliz para o soldado. Em Cabo Laurindo, em parceria com Haroldo Lobo, o pracinha voltava intacto do campo de batalha, “coberto de glória, trazendo garboso no peito a cruz da vitória”.

A história não pararia por aí. Haveria ainda uma terceira canção, Comício Em Mangueira, desta vez numa parceria com Germano Caetano. A letra e a melodia são emocionantes.

A música conta sobre um discurso do soldado logo após a volta triunfante: Houve um comício em Mangueira / O cabo Laurindo falou / Toda escola de samba aplaudiu / Toda escola de samba de samba chorou/ “Eu não sou herói” / Era comovente a sua voz / “Heróis são aqueles que tombaram por nós”.

Não faltou gente que acreditasse que Laurindo existisse de fato. Menos o compositor Zé da Zilda, que tratou de desmascarar o impostor num samba. Na letra, afirma que o sujeito é tratado como herói, porém “nem saiu de Niterói”. E que sua única participação na guerra foi a de ficar “na retaguarda aplaudindo a nossa gente”.

Depois de tantas músicas, chegou a um ponto de Wilson Batista não suportar mais ouvir sobre o herói fictício. O compositor chegou a planejar matá-lo num crime passional. Laurindo seria encontrado assassinado numa viela do morro da Mangueira, mas a canção nunca saiu.

A cantora Cristina Buarque diverte-se com a história. Cristina, que gravou parte das músicas sobre Laurindo, ainda tem dificuldade de entender por que o inexistente veterano da Segunda Guerra caiu nas graças de sambistas da década de 1940. Numa entrevista, a cantora disse, entre risos: “Comício Em Mangueira é um negócio emocionante. A volta de Laurindo, o discurso, as pessoas chorando. E é tudo mentira!”.

27 de maio de 2010

O dia que Chico Buarque saiu esbravejando do Pacaembu

No próximo domingo haverá Corinthians e Santos no Pacaembu. Num domingo de 1985 o estádio também recebeu o clássico, só que com uma preliminar especial. Em homenagem à criação do jornal Retratos do Brasil, ocorreria um show com importantes músicos no Palace. Antes, os artistas fariam uma partida na preliminar do jogo entre músicos cariocas e paulistas. Por que a ideia? “Só com futebol conseguimos atrair o Chico Buarque pro show”, explica, às gargalhadas, o artista gráfico Elifas Andreato, responsável por convidar todo o pessoal pro espetáculo.

Do lado dos cariocas, Chico, Fagner, a turma do MPB4 e dos Novos Baianos. Já entre os paulistas, Elifas, Toquinho, Fernando Faro, Raul Leite (produtor musical) e Branca de Neve, que, além de cantor, era bom de bola. Antes da partida, Branca de Neve começou a conversar com Chico. Papo vai, papo vem, e Chico conseguiu convencê-lo a jogar no time dos cariocas.

Percebendo a sacanagem, Toquinho – que era tão competitivo quanto o compositor de A Banda - resolveu fazer uma sacanagem maior ainda. O violonista convidou dois jogadores profissionais para reforçar o time. Um era Pita, que já tinha brilhado na Portuguesa, e um jovem jogador do São Paulo. “Quem são esses?”, perguntou Chico. “Ah, são músicos da noite paulistana”, respondeu Toquinho, na maior cara de pau.

Os times subiram a campo. As arquibancadas estavam com 30 mil pessoas e haveria transmissão ao vivo pela tevê, comandada por Juarez Soares com comentários de Falcão. O time paulista, como era de se esperar, deu show. Os atletas profissionais sobravam em campo diante de tantos boêmios. Resultado final: Paulistas 5 x 1 Cariocas.

No ônibus, de volta ao hotel, Chico estava de cara amarrada. Sentiu que tinha passado uma baita vergonha diante de tantos espectadores. Futebol é coisa séria pra ele. Só conseguiu olhar para o Elifas e, irritadíssimo, esbravejar: “Chama seu time de profissionais pra subir no palco hoje à noite, tá?”. O artista, a contragosto, cantou no espetáculo, mas ficou sem conversar com Elifas e Toquinho durante meses.

20 de maio de 2010

Adoniran se sentia um palhaço triste

Um erro é confundir a obra de Adoniran Barbosa como algo alegre. Boa parte de suas canções é melancólica. Mas essa melancolia era disfarçada pelo humor que só ele tinha. Adoniran era um "palhaço triste", como alguns o definem. Ou há coisa mais amargurante (mas engraçada) que Saudosa Maloca? Ouça com atenção no vídeo abaixo trecho do samba no programa MPB Especial, atual Ensaio.
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Isto posto, vamos a uma história contada pelo artista plástico Elifas Andreato, o melhor autor de capas de disco do Brasil. Era finzinho dos anos 1970. O diretor de uma gravadora pediu um desenho para a capa do novo elepê de Adoniran. Elifas, com sensibilidade, o desenhou como um palhaço triste, com lágrimas aos olhos (imagem acima; clique para ampliá-la).
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O diretor reclamou: "Olha, Elifas, acho que o Adoniran não vai gostar nada de ser retratado desse jeito. Faça uma outra". O desenho foi refeito de um jeito tradicional, até careta.
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Poucos meses depois Adoniran viu a imagem original. E, realmente, não gostou nada... De não ter sido usada na capa do disco. Ligou para o artista plástico: "Eu sou este palhaço triste, não aquele alemão que você pôs no elepê". Acatar a opinião do diretor da gravadora se tornou um dos maiores arrependimentos da carreira de Elifas.

Adoniran Barbosa no MPB Especial

13 de maio de 2010

Nike não é bem-vindo no baile da saudade

Lá fui eu - de Nike... - num baile da União Fraterna, um dos últimos bailes da saudade de São Paulo. O texto foi publicado na edição de maio do Almanaque Brasil.

Abril de 2010. Noite fria em São Paulo. O repórter do Almanaque começa a subir a escadaria coberta por um tapete vermelho. A senhora da recepção adverte, de forma educada: “Você é o Bruno da revista, né? Seja bem-vindo. Só esqueci de avisar que não pode entrar de tênis”. A ondinha do Nike cinza chama mais atenção do que diamante naquele ambiente repleto de sapatos pretos, clássicos e engraxadíssimos. O cenário é o salão do União Fraterna, na zona oeste de São Paulo, um dos últimos redutos da pauliceia onde ocorre um autêntico baile da saudade.

A recepcionista abre exceção ao incauto e o coloca numa mesinha perto da entrada. O amplo salão impressiona: lustres extravagantes, florões decorando as paredes e o teto. O prédio, construído em 1934, é tombado desde 1994. Serviu de cenário para o filme Chega de Saudade, de Laís Bodanzky, lançado em 2008. A banda comanda a festa com boleros, valsas e músicas italianas. Todo mundo ali tem de 60 anos pra cima. O repórter, com seus 30 e poucos, é disparadamente o mais jovem. E certamente o mais mal-vestido.

O clube é antigo. Foi fundado em 1925, a partir da união de duas associações, uma delas de imigrantes italianos. A história é contada por Henrique Zanferice, um dos diretores. Ele também explica sobre os trajes: “Até um tempo atrás, era só homem de terno ou smoking e mulheres de vestidos longos. Mas muita gente morreu e era uma dificuldade atrair novos frequentadores. Passamos a ser mais liberais, deixar entrar de esporte fino. Mas, pode olhar: é raro ver uma de dama de calça”.

Em algumas mesas, destacam-se senhoras vestidas com coroas e faixas transversais sobre o peito, com os dizeres: “Rainha do Baile União Fraterna”. Elas são eleitas anualmente, e hoje é dia de homenageá-las. Sete estão presentes, com seus “reis” à tiracolo.

A ocasião também serve para coroar a rainha das rainhas, dona Ester, de 100 anos. Ela faz questão de corrigir: “100 anos e dois meses”. “Frequento o baile desde que tenho 10 anos. Venho porque gosto de dançar”, explica, da forma mais objetiva possível.

Depois é hora de danças coreografadas ao somde músicas espanholas. Oito casais se põem no centro do salão. Os homens se armam com lenços brancos à mão direita. “É uma forma elegante de não colocar a mão diretamente nas costas da dama”, explica um dos frequentadores, mais experimentado. Ao fim da música, cada cavalheiro acompanha a parceira até a mesa. “Seria uma grosseria deixar a dama voltar sozinha”, esclarece o dançarino.

A volta da banda garante novo ânimo aos cerca de 100 presentes. As canções se tornam mais modernas: baiões, sertanejos, sambas invocados. Rodas se abrem. Casais se dão as mãos e giram pelo ambiente. O cantor, para agradar, lança a clássica pergunta: “Tem corintiano aí?”, e a casa quase vem a baixo.

Já está perto de uma da manhã, hora do encerramento. “Você acha que acabou? A turma toda ainda vai tomar um caldinho por aí”, ressalta uma animada dançarina, que completa: “Hoje, a noite só termina altas da madrugada”.

22 de abril de 2010

Na cadência do samba

O ano era 1941 quando Ataulfo Alves gravou pela primeira vez uma canção de sua autoria: Leva, meu samba / Meu mensageiro / Este recado / Para o meu amor primeiro... A partir de então, sua voz invadiria as rádios e se tornaria sinônimo de samba. E que sambas...

Nascido numa pequena cidade mineira em 2 de maio de 1909, era filho de um conhecido violeiro da região. Ainda jovem se mudou para o Rio de Janeiro, tornando-se ajudante de farmácia. Nada que o impedisse de, após o batente, ficar horas em rodas de samba no bairro do Rio Comprido, onde morava.

Aos poucos começou a levar as composições a sério. Até que chamou a atenção de Almirante e de Carmen Miranda, que gravaram algumas de suas músicas. Definitivamente entrava no mundo artístico. Havia quem o comparasse a Noel Rosa.

Homem charmoso e educado, levava elegância às suas músicas. Os sucessos surgiam: Laranja Madura, Oh! Seu Oscar, Atire a Primeira Pedra. Uma outra, composta com Mário Lago, deixa as feministas de cabelo em pé até hoje: Amélia. Sob críticas, justificava: “Amélia é compreensão, é ternura, é vida. Ela simboliza a companheira ideal, que luta ao lado do marido, sem exigir o que ele não pode lhe dar”.

No início dos anos 1950 uniu-se a cantoras – que chamava de pastoras – e percorreu o País em apresentações. As composições não parariam. Seriam 320 na carreira. Só interromperia as atividades após descobrir um grave problema de saúde, decorrente de uma úlcera. Morreu em 1969, pouco antes de completar 60 anos. Sem cumprir um desejo expresso em outro retumbante sucesso: Quero morrer numa batucada de bamba / Na cadência bonita do samba.

24 de março de 2010

Só quando virou Milton, Bituca pôde entrar no clube da cidade

Por Natália Pesciotta

No fim do ginásio, Bituca foi o melhor aluno da turma e representou a classe como orador da formatura (na foto ao lado, o quarto da direita para a esquerda). Terminada a cerimônia, correram os formandos, alvoroçados, a se preparar para o baile de gala. Bituca, porém, pegou o diploma, a medalha, rumou para casa e fechou-se no quarto. O Clube Literário Recreativo Trespontano, da mineira Três Pontas, não permitia a entrada de negros em suas dependências.

Foi nesse dia que a proibição mais lhe doeu. Apesar de não ser a primeira vez que lhe atrapalhava a vida. Bem menino, lá pelos 14 anos, já tocava como profissional no conjunto Luar de Prata, mas não podia assistir às grandes bandas que passavam pela cidade. Ele e Dida, também músico e também negro, tentavam ouvir o som de cada instrumento sentados no banco da praça.

Bituca seguiu em frente. Fez colégio técnico em Comércio, já fora da cidade, e nunca abandonou a música. No 2° Festival Internacional da Canção, em 1967, consagrou-se Milton Nascimento. Travessia era a segunda colocada e ele, o melhor intérprete, recebia propostas de várias gravadoras. A Prefeitura de Três Pontas mandou um ônibus a São Paulo para buscar o cidadão ilustre, seu parceiro Fernando Brant e quem mais quisesse ir.

Chegando à cidade, Milton foi ovacionado pelas ruas. Para a noite, fina ironia, a Prefeitura organizara uma homenagem no tal Clube Literário Recreativo Trespontano. Por insistência da mãe, Bituca compareceu. Em tapete vermelho, passou pela porta que sempre lhe fora fechada.

8 de março de 2010

Olha o Arnesto!


Há um tempinho encontrei, numa casa de samba de São Paulo, o lendário Ernesto Paulelli (registrado na foto), cidadão que entrou para a história da música popular por inspirar Adoniran Barbosa a criar o Samba do Arnesto. Aos 94 anos, conta orgulhoso sobre a história da canção. Mesmo tendo ficado sobre si a penca de furão.

Em sua defesa, Arnesto garante que não convidou ninguém pra samba algum. Tornou-se amigo do compositor em 1939. O sambista lhe prometeu um samba, pois havia gostado da sonoridade do nome.

Anos depois, a novidade corria as emissoras de rádio: O Arnesto nos convidô / Prum samba ele mora no Brás / Nóis fumo e não encontrêmo ninguém. Emocionou-se: "Olha lá, mulher, este samba é pra mim!".

Tempos depois encontrou Adoniran. Agradeceu a homenagem, mas comentou que já estava meio cansado de ouvir piadinhas sobre sua fama de quem marca e não aparece. Adoniran justificou: “Pô, Arnesto, segura essa aí. Se não tem mancada não tem samba".

18 de fevereiro de 2010

Nara foi atrás dos "artistas populares genuínos"

“Chega de bossa nova. Chega de cantar para dois ou três intelectuais uma musiquinha de apartamento. Quero o samba puro, que tem muito mais a dizer, que é a expressão do povo.” Desse modo Nara Leão marcou o rompimento com a bossa numa entrevista à revista Fatos & Fotos, em 1964. A ex-musa do movimento passou a se aproximar dos sambistas de morro, ou “dos artistas populares genuínos”, como definia. Esse encontro está registrado no disco Opinião de Nara e na foto acima, enquanto aprendia os sambas de Zé Keti e Nelson Cavaquinho em seu famoso apartamento de Copacabana.

26 de janeiro de 2010

(quase) Exclusivo! João Gilberto na casa de Chico Pereira

Pouco antes da gravação do antológico Chega de Saudade (1958), disco que começaria a consagrar João Gilberto, o baiano gravou 36 canções na casa de Chico Pereira - que viria a ser o fotógrafo das melhores capas de discos da bossa nova.

Em clima descontraído, quase de sarau, João Gilberto entoa músicas como O Pato, Lá Vem a Baiana e Doralice. Além de clássicos nunca gravados em disco. João Valentão é um exemplo. A cantoria por vezes é interrompidas para rápidos bate-papos, que demonstram o caráter informal do encontro.

Abaixo, quatro registros desse documento histórico:

Chega de Saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes)

Chão de Estrelas (Silvio Caldas e Orestes Barbosa)

João Valentão (Dorival Caymmi)

Lá Vem a Baiana (Dorival Caymmi)






21 de janeiro de 2010

O cantor das despedidas

Após décadas de sucesso nacional, nos anos 1960 Sílvio Caldas resolveu se afastar da música. Anunciava: “Esta é a minha última apresentação”, e fãs às lágrimas exigiam que mudasse de ideia. E mudava. De tanto a situação se repetir, ganhou a alcunha de “cantor das despedidas”.
Não era o único apelido que lhe acompanharia na carreira. Nos anos 1930, começou a emplacar nas rádios suas serestas. Ficou conhecido como “o seresteiro do Brasil”. A voz forte, porém claríssima e despojada, também seguia por outros ritmos. Em samba poucos chegaram em seu nível.

Escolhia compositores a dedo: Ary Barroso, Noel Rosa, Braguinha, Wilson Batista. Com Orestes Barbosa, o mais constante parceiro, compôs Chão de Estrelas. Ainda que com letra difícil, a canção caiu no gosto do público: Tu pisavas nos astros distraída / Sem saber que a ventura desta vida / É a cabrocha, o luar e o violão. Manuel Bandeira considerava este o verso mais belo da língua portuguesa.

Durante anos, a dúvida pairou. Afinal, quem era melhor: ele, Chico Alves, Orlando Silva ou Carlos Galhardo? Até hoje, com a distância devida, é difícil responder. O fato é que, entre os quatro, foi o que teve carreira mais longa. Foram 65 anos como profissional, marca nunca alcançada por cantor algum do País.

Em 1965, mudou-se para um sítio em Atibaia, interior paulista. De lá só saía quando sentia saudade do microfone – e não foram poucas vezes. A última apresentação ocorreu em São Paulo, em 1997. Morreria no ano seguinte, ao 90 anos. Quase todos dedicados à música.

11 de janeiro de 2010

Samba e amor

Este blogueiro metido a sambista é um dos entrevistados da reportagem "O que pode fazer um coração machucado" , da revista Continuum, do Itaú Cultural. Está ao lado de gente boa, como Teresa Cristina, Douglas Germano, Fabiana Cozza, Moisés da Rocha, João Cavalcanti, entre outros. Na matéria assinada pelo jornalista Thiago Rosenberg, todos tentam explicar (ou entender) a relação entre o amor e o samba. Assunto difícil, mas cada um deu seu pitaco.
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Melhor: a edição é toda dedicada ao nosso estilo musical do coração.
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Para ler a matéria completa, clique aqui.

8 de janeiro de 2010

Um compositor de ouro

Ele escreveu a última linha da canção e, sentindo que tinha feito algo fora de série, entrou em êxtase. Caprichou na harmonização e mostrou a novidade ao parceiro Benedito Lacerda. A reação foi decepcionante. “Olha, meu compadre, tá muito bonito, viu, muito bonito. Essa é uma música ótima pra você cantar na igreja. Nunca vai tocar no rádio.” A despeito da previsão, Ave Maria no Morro, lançada em 1942, é um dos maiores sucessos da música brasileira. Inaugurou até um estilo musical, o samba-canção: Barracão de zinco / Sem telhado, sem pintura / Lá no morro / Barracão é bangalô / Lá não existe felicidade de arranha-céu / Pois quem mora lá no morro / Já vive pertinho do céu

Herivelto Martins nasceu em 30 de janeiro de 1912 no distrito de Rodeio, atual Engenheiro Paulo de Frontin, no interior Fluminense. Estimulado pelo pai, agitava a cidade com grupos teatrais e musicais. Mas a família mudou para São Paulo. Com a maioridade recém-completa, o rapaz partiu para o Rio. Queria ser artista.

Preto e Branco

O começo na Cidade Maravilhosa não foi fácil. Teve que dividir um quarto minúsculo com sete companheiros. “Só melhorou com a Revolução de 1932: morreram quatro”, brincava. Fazia bicos aqui e acolá quando recebeu um convite para ser gerente de uma barbearia no morro de São Carlos. Aceitou com uma condição: “Tenho que sair de vez em quando, pois sou artista”.

Com o novo emprego, poderia estar perto do pessoal do Estácio, os malandros cariocas que faziam os melhores sambas da cidade. Era um dos poucos compositores brancos a pintar por lá. Numa dessas andanças pelo bairro, foi convidado a assistir a um ensaio. Quando surgiu uma brecha, apresentou Da Cor do Meu Violão. Um produtor que estava por lá ouviu, gostou e mandou gravar. Era sua primeira música em disco.

Herivelto passou a compor sem parar: tangos, marchas, sambas. Mostrava-se um compositor eclético. E frenético: “A rapidez com que componho às vezes surpreende a mim mesmo”. Após um ensaio, fez um coro informal com o cantor Francisco Sena. Outro produtor viu e adorou. Procurava uma atração para apresentações no Cine Odeon. Nascia a dupla Preto e Branco. Mas o parceiro morreu prematuramente. Herivelto seguiu sozinho até conhecer Nilo Chagas, com quem reviveu a dupla. Nessa época conheceu também alguém que mudaria a sua trajetória.

Trio de Ouro

Herivelto ficou maravilhado ao ouvir o canto técnico e poderoso de Dalva de Oliveira. Logo se tornaram parceiros nos palcos e na vida. Casaram-se em 1938, e o grupo ganhou uma nova integrante. Um radialista anunciou: “Vamos ouvir agora Dalva de Oliveira e a dupla Preto e Branco, um trio de ouro”. Surgia o nome do primeiro – e melhor – trio vocal brasileiro.

Em quase 10 anos de sucesso, o Trio de Ouro lotou cassinos, teatros e auditórios de rádio. As músicas de Herivelto tornaram-se clássicos: Praça Onze, Lá em Mangueira, Calado Venci.
Além, claro, de Ave Maria no Morro – apesar das reclamações de um cardeal, que dizia que a canção era uma heresia e exigia que fosse censurada.

Em 1942, Herivelto assumiu a função de assistente do diretor Orson Welles, que viera ao País produzir o filme É Tudo Verdade. Para organizar os músicos, deu-lhe na cabeça usar um apito. Benedito Lacerda novamente fez um muxoxo: “Parece guarda-civil”. Dali nascia o uso do apito como elemento rítmico, principalmente nas escolas de samba.

“Seu mal é comentar o passado”

Enquanto o Trio de Ouro fazia sucesso Brasil afora, as brigas conjugais chegavam a níveis insuportáveis. Em 1947 viria a dolorosa separação. Os jornais se deliciavam com a briga pública do casal mais famoso do País. “Boa cantora, péssima esposa”, dizia Herivelto a um jornal. “Meu lar era um botequim”, devolvia Dalva.

A coisa esquentou quando a briga invadiu as músicas. Enquanto Dalva cantava Errei, sim/ Manchei o teu nome / Mas foste tu mesmo o culpado / Deixavas-me em casa / Me trocando pela orgia / Faltando sempre / Com a tua companhia (Errei, Sim, de Ataulfo Alves), Herivelto respondia: Teu mal é comentar o passado / Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois… O público adorava.

O Trio de Ouro continuaria com novas formações. Durante a existência, gravou 99 discos com quase 200 músicas.

Homenagens

A chegada dos anos 1960 foi quase uma sentença de morte para Herivelto. O afã por mudanças que assolava a música brasileira o colocou num segundo plano. Os convites para apresentações rareavam. “O rock matou a música popular”, lamentava.

Em 1987, recebeu o Prêmio Shell pelo conjunto da obra. A grande homenagem viria em 1992. A Mangueira – que Herivelto tanto homenageou em canções – preparou, de surpresa, uma apresentação na frente de sua casa: surdos, tamborins, cuícas… Herivelto não hesitou. Pegou um apito e, completamente emocionado, marcou o ritmo da festa.

Em setembro daquele mesmo ano sentiu-se mal. No leito do hospital, teve tempo ainda de anunciar: “Estou morrendo”. E seus olhos azuis fecharam-se para sempre.