27 de maio de 2010

O dia que Chico Buarque saiu esbravejando do Pacaembu

No próximo domingo haverá Corinthians e Santos no Pacaembu. Num domingo de 1985 o estádio também recebeu o clássico, só que com uma preliminar especial. Em homenagem à criação do jornal Retratos do Brasil, ocorreria um show com importantes músicos no Palace. Antes, os artistas fariam uma partida na preliminar do jogo entre músicos cariocas e paulistas. Por que a ideia? “Só com futebol conseguimos atrair o Chico Buarque pro show”, explica, às gargalhadas, o artista gráfico Elifas Andreato, responsável por convidar todo o pessoal pro espetáculo.

Do lado dos cariocas, Chico, Fagner, a turma do MPB4 e dos Novos Baianos. Já entre os paulistas, Elifas, Toquinho, Fernando Faro, Raul Leite (produtor musical) e Branca de Neve, que, além de cantor, era bom de bola. Antes da partida, Branca de Neve começou a conversar com Chico. Papo vai, papo vem, e Chico conseguiu convencê-lo a jogar no time dos cariocas.

Percebendo a sacanagem, Toquinho – que era tão competitivo quanto o compositor de A Banda - resolveu fazer uma sacanagem maior ainda. O violonista convidou dois jogadores profissionais para reforçar o time. Um era Pita, que já tinha brilhado na Portuguesa, e um jovem jogador do São Paulo. “Quem são esses?”, perguntou Chico. “Ah, são músicos da noite paulistana”, respondeu Toquinho, na maior cara de pau.

Os times subiram a campo. As arquibancadas estavam com 30 mil pessoas e haveria transmissão ao vivo pela tevê, comandada por Juarez Soares com comentários de Falcão. O time paulista, como era de se esperar, deu show. Os atletas profissionais sobravam em campo diante de tantos boêmios. Resultado final: Paulistas 5 x 1 Cariocas.

No ônibus, de volta ao hotel, Chico estava de cara amarrada. Sentiu que tinha passado uma baita vergonha diante de tantos espectadores. Futebol é coisa séria pra ele. Só conseguiu olhar para o Elifas e, irritadíssimo, esbravejar: “Chama seu time de profissionais pra subir no palco hoje à noite, tá?”. O artista, a contragosto, cantou no espetáculo, mas ficou sem conversar com Elifas e Toquinho durante meses.

20 de maio de 2010

Adoniran se sentia um palhaço triste

Um erro é confundir a obra de Adoniran Barbosa como algo alegre. Boa parte de suas canções é melancólica. Mas essa melancolia era disfarçada pelo humor que só ele tinha. Adoniran era um "palhaço triste", como alguns o definem. Ou há coisa mais amargurante (mas engraçada) que Saudosa Maloca? Ouça com atenção no vídeo abaixo trecho do samba no programa MPB Especial, atual Ensaio.
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Isto posto, vamos a uma história contada pelo artista plástico Elifas Andreato, o melhor autor de capas de disco do Brasil. Era finzinho dos anos 1970. O diretor de uma gravadora pediu um desenho para a capa do novo elepê de Adoniran. Elifas, com sensibilidade, o desenhou como um palhaço triste, com lágrimas aos olhos (imagem acima; clique para ampliá-la).
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O diretor reclamou: "Olha, Elifas, acho que o Adoniran não vai gostar nada de ser retratado desse jeito. Faça uma outra". O desenho foi refeito de um jeito tradicional, até careta.
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Poucos meses depois Adoniran viu a imagem original. E, realmente, não gostou nada... De não ter sido usada na capa do disco. Ligou para o artista plástico: "Eu sou este palhaço triste, não aquele alemão que você pôs no elepê". Acatar a opinião do diretor da gravadora se tornou um dos maiores arrependimentos da carreira de Elifas.

Adoniran Barbosa no MPB Especial

13 de maio de 2010

Nike não é bem-vindo no baile da saudade

Lá fui eu - de Nike... - num baile da União Fraterna, um dos últimos bailes da saudade de São Paulo. O texto foi publicado na edição de maio do Almanaque Brasil.

Abril de 2010. Noite fria em São Paulo. O repórter do Almanaque começa a subir a escadaria coberta por um tapete vermelho. A senhora da recepção adverte, de forma educada: “Você é o Bruno da revista, né? Seja bem-vindo. Só esqueci de avisar que não pode entrar de tênis”. A ondinha do Nike cinza chama mais atenção do que diamante naquele ambiente repleto de sapatos pretos, clássicos e engraxadíssimos. O cenário é o salão do União Fraterna, na zona oeste de São Paulo, um dos últimos redutos da pauliceia onde ocorre um autêntico baile da saudade.

A recepcionista abre exceção ao incauto e o coloca numa mesinha perto da entrada. O amplo salão impressiona: lustres extravagantes, florões decorando as paredes e o teto. O prédio, construído em 1934, é tombado desde 1994. Serviu de cenário para o filme Chega de Saudade, de Laís Bodanzky, lançado em 2008. A banda comanda a festa com boleros, valsas e músicas italianas. Todo mundo ali tem de 60 anos pra cima. O repórter, com seus 30 e poucos, é disparadamente o mais jovem. E certamente o mais mal-vestido.

O clube é antigo. Foi fundado em 1925, a partir da união de duas associações, uma delas de imigrantes italianos. A história é contada por Henrique Zanferice, um dos diretores. Ele também explica sobre os trajes: “Até um tempo atrás, era só homem de terno ou smoking e mulheres de vestidos longos. Mas muita gente morreu e era uma dificuldade atrair novos frequentadores. Passamos a ser mais liberais, deixar entrar de esporte fino. Mas, pode olhar: é raro ver uma de dama de calça”.

Em algumas mesas, destacam-se senhoras vestidas com coroas e faixas transversais sobre o peito, com os dizeres: “Rainha do Baile União Fraterna”. Elas são eleitas anualmente, e hoje é dia de homenageá-las. Sete estão presentes, com seus “reis” à tiracolo.

A ocasião também serve para coroar a rainha das rainhas, dona Ester, de 100 anos. Ela faz questão de corrigir: “100 anos e dois meses”. “Frequento o baile desde que tenho 10 anos. Venho porque gosto de dançar”, explica, da forma mais objetiva possível.

Depois é hora de danças coreografadas ao somde músicas espanholas. Oito casais se põem no centro do salão. Os homens se armam com lenços brancos à mão direita. “É uma forma elegante de não colocar a mão diretamente nas costas da dama”, explica um dos frequentadores, mais experimentado. Ao fim da música, cada cavalheiro acompanha a parceira até a mesa. “Seria uma grosseria deixar a dama voltar sozinha”, esclarece o dançarino.

A volta da banda garante novo ânimo aos cerca de 100 presentes. As canções se tornam mais modernas: baiões, sertanejos, sambas invocados. Rodas se abrem. Casais se dão as mãos e giram pelo ambiente. O cantor, para agradar, lança a clássica pergunta: “Tem corintiano aí?”, e a casa quase vem a baixo.

Já está perto de uma da manhã, hora do encerramento. “Você acha que acabou? A turma toda ainda vai tomar um caldinho por aí”, ressalta uma animada dançarina, que completa: “Hoje, a noite só termina altas da madrugada”.