23 de julho de 2011

Amy Winehouse e Noel Rosa

Morreu hoje a cantora Amy Winehouse em Londres. Ela tinha apenas 27 anos e, pelo que se especula, morreu em virtude dos anos de uso exagerado de drogas e bebidas.

Pela idade, pelo talento e pela existência sem muitas regras, lembrou-se da vida e morte de Noel Rosa. Ele morreu em 1937, poucos meses antes de completar 27 anos.  O Filósofo do Samba era dado a viver sob o sereno e consumir doses imensuráveis de bebidas e cigarros (chegava a fumar três maços por dia). Certa vez, já muito doente, pediu uma cerveja num boteco. Alguém o reprimiu: "Noel, você está muito mal, não pode tomar gelado". "Tem razão", retrucou Noel. E disparou: "Garçom, me traga uma cerveja quente". Essa receita suicida, segundo o escritor Ruy Castro, “levou-o à tuberculose e à morte aos 26 anos. Levou-o também a ser Noel Rosa”. O mesmo cabe para Amy.

Há mais coincidências. A saúde de Noel também nunca foi lá essas coisas e, como se alimentava mal (tinha vergonha de comer em público devido a seu defeito no queixo), era magérrimo. E assim como Amy, Noel também fez suas melhores músicas para o grande e mais conturbado amor de sua vida, a dançarina de cabaré Ceci. Destaque para Último Desejo, uma comovente despedida sem retrato, sem bilhete, sem luar sem violão à amada.

Os puritanos do samba podem achar um sacrilégio a comparação. Mas as coincidências são irrefutáveis. Em homenagem, segue o samba que Noel escreveu sobre sua própria morte. Afinal, acredito que Amy também preteria choro e velha em seu velório. Iria preferir uma fita amarela gravada com o nome dele.

12 de julho de 2011

A língua brasileira segundo Noel Rosa

Recentemente, houve polêmica alardeada pela imprensa por causa da decisão do MEC de aprovar livros com “erros de português”. Na verdade, não havia erro algum. As publicações destacavam a importância do português padrão, mas diziam também que não é inapropriado falar com naturalidade, comendo algumas letras, plurais etc. Que a comunicação espontânea é mais importante que correr para um dicionário antes de abrir a boca.

É o que todos fazemos diariamente. Um exemplo é “pra” em vez de “para”. Ninguém acredita ser incorreto. Agora, se o sujeito falar “arvre” no lugar de “árvore”, é considerado um semianalfabeto. Mas o fenômeno é exatamente o mesmo: o sumiço de uma vogal no meio da palavra. Mas por burrice ou má-fé, a imprensa nacional prefere manter o idioma como um símbolo perverso de exclusão social.

No campo cultural, muito se falou sobre isso. Oswald de Andrade defende em Pronominais:

Dê-me um cigarro
Diz a gramática

Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um
cigarro


Já Manuel Bandeira sentencia na comovente Evocação do Recife:

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada


Em Macunaíma, o personagem criado por Mário de Andrade ironiza os paulistanos:


Ora sabereis que sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra.

Mas o maior defensor da língua brasileira – provavelmente sem essa pretensão – foi Noel Rosa. Em várias músicas o Filósofo do Samba mostra seu desdém em “macaquear a sintaxe lusíada”. Noel abusava de gírias e coloquialismos. E às vezes ia direto ao ponto.

É o caso do samba Mulata Fuzarqueira. Em dado momento, a letra diz: “"Meu amô não tem R / mas é amô debaixo d'água". Isso é bonito demais. E é sintético demais. Resumia como só Noel sabia resumir suas ideias tão espertas.

Mas o maior exemplo é Não Tem Tradução. Se um dia a língua portuguesa do Brasil se tornar oficialmente a língua brasileira, o hino ao idioma mãe terá de ser esse samba.

Há gente importante que concorda comigo. Um deles é Orestes Barbosa, contemporâneo de Noel e ardoroso defensor do jeito brasileiro de falar. Ao ouvir pela primeira vez o verso É brasileiro, já passou de português, exclamou, espantado: “Esse sem-queixo é demais. Um gênio! A gente aqui escrevendo, escrevendo, e ele resume tudo em meia dúzia de palavras. Exatamente meia dúzia!” E completou, emocionado: “Eu trocaria toda a minha obra por um só verso deste samba”.

Seguem as canções, cantadas em bom brasileiro.