26 de junho de 2008

Por que "pois"?, ora pois

Sempre que ouvia a clássica Último Desejo, de Noel Rosa e Vadico (aliás, sinto que já falei sobre esse samba há pouco tempo) na gravação de Aracy de Almeida, me surgia uma dúvida importante: afinal, por que ela canta “pois meu último desejo você não pode negar” em vez de “mas meu último desejo você não pode negar”?
A interpretação de Aracy é rara, é bonita, é precisa. Mas esse “pois” irrita, porque muda completamente o sentido do verso, que não pretende indicar uma conseqüência.
Achava que Noel tivesse escrito dessa maneira. Mas, apesar dos coloquialismos de suas composições, não era dado a esses desvios lingüísticos. Será que escrevera assim por estar sofrendo pela Céci?
Enfim, descobri a causa após folhear o livro Noel Rosa: Uma biografia (João Máximo e Carlos Didier) que encontrei na redação. E a resposta é a mais óbvia possível: Aracy cantou errado.
Para desgosto de Noel, é bom saber. O ano era 1936. O compositor estava com a saúde debilitada e recebeu, em sua casa, a visita de um amigo, que lhe deu a notícia: “Acabei de ouvir a Aracy cantar Último Desejo no rádio”.
“Mas, como? Ela nem aprendeu o samba direito”, respondeu Noel. “É, eu percebi”, retrucou o amigo.
Além de “pois meus último desejo”, informou que também trocou o “o meu lar é o botequim” para “o meu lar é um botequim”. Noel ficou bravo. Disse que nunca mais daria uma composição sua para ela cantar. Mas, pouco depois, e por estar muito doente, esqueceu o assunto.

“Calma!”

E esta não foi sua primeira briga gramatical com a Dama do Encantado. Dois anos antes, houve outra discussão devido ao samba O Maior Castigo que eu te Dou, que estava prestes a ser gravado por ela.
Aracy insistia em cantar “não há ninguém mais calma do que eu sou”. Ela argumentava que era uma mulher, afinal.
“Mas, Aracy, este “calmo” depois de ninguém não varia”, explicando que era um pronome indefinido, que não acusa gêneros, e portanto devia cantar "não há ninguém mais calmo...".
“Não interessa! Não vou cantar como se fosse homem”, respondeu.
Já bravo, Noel insistia: “Mas o certo é calmo”.

“Calma!”.

“Calmo!”.
Um amigo contemporizou os ânimos e explicou que Noel estava certo. Aracy morreu sem concordar.

24 de junho de 2008

Como gastar muito dinheiro à toa

Ou os profissionais da Gillete sabem alguma coisa que ninguém mais sabe, ou é o amigo do sobrinho do dono da empresa que cuida da publicidade da corporação.
Pense: a empresa contrata quatro dos maiores – e mais caros – esportistas atuais. Os futebolistas Kaká e Thiery Henry, considerado o melhor jogador de 2007 e a principal estrela do futebol francês atual, respectivamente. O golfista Tiger Woods, provavelmente o maior fenômeno da modalidade de todos os tempos. E o tenista Roger Federer, número um do ranking da ATP há 112 anos.
Lança uma campanha mundial com esses ícones para divulgar seu novo aparelhinho de fazer barba. Gasta, conseqüentemente, milhões de dólares. Divulga os comerciais em mais países do que os que são associados à ONU. E o resultado é o vídeo abaixo.
Aguardo explicações dos meus dois inteligentíssimos leitores.
Obrigado.

Gillete Mach3, com Kaká, Henry, Woods e Federer

14 de junho de 2008

Música de museu

“Não há, ó gente, ó não, luar como este do sertão...”.

“Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro...”

“Moro num país tropical, abençoado por Deus...”.

Os versos acima são de canções incríveis, feitos por grandes compositores da popular música brasileira (Catulo da Paixão Cearense, Ary Barroso e Jorge Ben, respectivamente). Mas de tão tocadas, executadas, declamadas – e qualquer outra coisa que termina em “ada” -, cansou. Aliás, não é bem que cansou. É além disso. Tais músicas conquistaram tanta importância que não há mais sentido de serem executadas em bares ou festas. É o dejavù do dejavù. É como se, num debate sobre artes plásticas, alguém chegasse para analisar o olhar da Monalisa.

E essas canções são a Monalisa da nossa música. Como há diversas outras, que deveriam ser guardadas num museu e apenas lá serem mostradas. Justamente por serem valiosas, mas não terem mais efeito à sensibilidade.
OK, a Monalisa é muito legal. Mas me mostra o próximo quadro.