8 de outubro de 2007

Três letras, todas as emoções

A angustia. A raiva subterrânea. A alegria. O orgulho. O medo. A felicidade efêmera. O desprezo. A tristeza. A dor. O prazer. Por menos de um segundo, todas as emoções cabem num mesmo monossílabo: o da palavra GOL.

Obrigado, futebol.

5 de outubro de 2007

Cassação em Brasília!

O governador do Distrito Federal, Roberto Arruda (DEM), proibiu, na semana passada, o uso do gerúndio entre os funcionários públicos. O decreto afirma: “fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal (...) Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA” (assim mesmo, com direito a “Gerúndio” e “INEFICIÊNCIA” em maiúsculas).

Ironicamente, é compreensível e ridícula a medida de Arruda. Compreensível porque o mau uso do gerúndio é motivo de “assassinato por justa causa”, tal irritação que causa. Ridícula porque, se os funcionários obedecerem literalmente ao decreto, haverá diálogos do tipo:

- Onde está o Alberto?
- Está a almoçar.

- Termina logo o relatório.
- Estou a terminar, pô!

- O que você está a fazer?
- Estou a encaminhar os documentos para a Câmara. O motoboy está a ir neste minuto.

A melhor definição para o caso foi dada pelo UOL Tablóide, ao escrever “o manifesto” do gerúndio contra a demissão. “Os assessores de meu ex-patrão estariam sempre ‘fazendo, providenciando, estudando, preparando, encaminhando’, mas nunca concluindo. Aí, em vez de estar demitindo os assessores, o demitido fui eu”. Injustiça. O gerúndio é um recurso lingüístico como qualquer outro. O decreto deveria somente determinar que o usasse com correção. Sem estar inventando.

2 de outubro de 2007

Quinze anos dessa noite

Dois malandros que se acham "muito espertos" -considerando que os "mais inteligentes" mesmo têm advogados para não ficar presos- brigam pelo espaço de um varal no pátio de uma cadeia superlotada de bandidos pobres.
É ridículo, mas é só uma cueca o que um deles quer pendurar para secar. E, folgando, vai enfiando o troço... Acontece que há tanta roupa pra arranjar pro domingo que se avizinha que o vizinho resolve não deixar. E joga o treco no chão.
Os dois discutem. Todos estão agitados para ficar bonitos. Há mulheres para receber, filhos para beijar, alguns lances para acertar e mesmo falar de outras coisas, que de más intenções o lugar esteve cheio a semana toda.
Aquela besteira entre eles não vai acabar bem, mas ainda é cedo para saber. Por enquanto são os dois que se partem nas pernadas.
Logo os outros que se chutavam no campo de futebol juntam-se a eles, no que são seguidos por muitos outros, curiosos e torcedores de ver até onde o circo ia queimar. Todos vão se danar neste inferno, mas estão acostumados a lidar com a vida assim, do jeito que as suas vidas lidaram com eles.
Os guardas, protegidos pelos muros e cancelas, se assustam com o tamanho da balbúrdia. As feras soltas são muitas e nem estão domesticadas! Resolvessem virar bichos, não haveria grade ou guarda penitenciária para conter a sua fúria sanguinária!
Por isso os funcionários chamam a polícia detestada pela maioria daqueles outros lá de baixo, onde a briga degenera em bandalheira, como a guerra fratricida da realidade brasileira.Chegam os assessores engravatados e telefonemas atrapalhados são disparados até atingirem os maiores líderes dentre eles, que estão ocupados com tudo num dia de eleição, menos com aqueles que não votam, não se elegem e, no máximo, representam os milhões que votarão com o estômago e o intestino.
É uma porcaria mesmo. Esse era o valor da vida então...Aqui não é diferente agora, mas o acerto de contas, naquela hora, sai do varal do quintal e contagia dentro da "Casa", invadindo o pavilhão, as alas e as celas onde os "reeducandos" deveriam repousar e aprender.
São capazes de aprender a apanhar! E o pau segue comendo como se fosse a coisa mais natural do mundo em que nasceram.O mais burro -ou seria apenas ingênuo demais de não imaginar o que mais poderia acontecer?- ainda se tranca e dá a chave ao carcereiro! Disse que "iriam resolver a coisa entre eles", como se houvesse assunto privado na latrina em que se encontravam.Não há reféns, nem bandidos armados, mas os coturnos dos homens blindados são ouvidos.
Estão prestes a serem servidos...
O banquete será longo, seco e obscuro.
A luz foi cortada. A água que sobrou está minando na parede como se mandasse um recado aos experientes, mas parece que só mesmo os insanos conseguem dar ouvidos às súplicas dos inocentes.
As súplicas serão caladas na porrada.
Há baionetas improvisadas, facas e estiletes para serem arremessados e espetados uns nos outros, que essa convivência nunca foi fácil para ninguém.
De um lado estão mais de três centenas e meia de agentes da lei com carteira assinada por salários suicidas; do outro, mais de mil iletrados desempregados que tiveram o azar de nascer no lugar errado ou terem se desencaminhado na insatisfação mesquinha dos seus desejos.
Mesquinharia, de todo modo, ainda está por vir... Porque apesar de ninguém ter nada a perder, resolveram deixar a sanha da morte pegar tudo o que pudesse ganhar, numas rajadas de ignorância que fizeram as escolas e bibliotecas da região fecharem de vergonha da civilização que defendem em seus livros!
Todos puderam ouvir os gritos que os cachorros deram, bem como os latidos dos homens que ajudavam, ganindo desesperados pelos corredores.
Foram 111 os presuntos desossados ao fim de tudo, segundo as autoridades. "Eram mais de 400", segundo alguns malucos miseráveis que asseguraram ter visto cadáveres como eles arremessados no lixo!
As cadeias de TV ficaram agitadas para o deleite da insegurança.
Algumas cabeças foram cortadas e assessores perderam o emprego, mas ganharam imunidades e aposentadoria... Ainda hoje são condecorados por bravura. Policiais, é claro. Quanto aos 111 empilhados do outro lado e que exalam há 15 anos nesta longa noite dos paulistanos, o Estado tapa o nariz, a justiça os olhos e o cidadão dorme o sono que merece...
E ai de quem discordar, não é mesmo?

Fernando Bonassi, Folha de S. Paulo, 2/10/2007.