26 de janeiro de 2010

(quase) Exclusivo! João Gilberto na casa de Chico Pereira

Pouco antes da gravação do antológico Chega de Saudade (1958), disco que começaria a consagrar João Gilberto, o baiano gravou 36 canções na casa de Chico Pereira - que viria a ser o fotógrafo das melhores capas de discos da bossa nova.

Em clima descontraído, quase de sarau, João Gilberto entoa músicas como O Pato, Lá Vem a Baiana e Doralice. Além de clássicos nunca gravados em disco. João Valentão é um exemplo. A cantoria por vezes é interrompidas para rápidos bate-papos, que demonstram o caráter informal do encontro.

Abaixo, quatro registros desse documento histórico:

Chega de Saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes)

Chão de Estrelas (Silvio Caldas e Orestes Barbosa)

João Valentão (Dorival Caymmi)

Lá Vem a Baiana (Dorival Caymmi)






21 de janeiro de 2010

O cantor das despedidas

Após décadas de sucesso nacional, nos anos 1960 Sílvio Caldas resolveu se afastar da música. Anunciava: “Esta é a minha última apresentação”, e fãs às lágrimas exigiam que mudasse de ideia. E mudava. De tanto a situação se repetir, ganhou a alcunha de “cantor das despedidas”.
Não era o único apelido que lhe acompanharia na carreira. Nos anos 1930, começou a emplacar nas rádios suas serestas. Ficou conhecido como “o seresteiro do Brasil”. A voz forte, porém claríssima e despojada, também seguia por outros ritmos. Em samba poucos chegaram em seu nível.

Escolhia compositores a dedo: Ary Barroso, Noel Rosa, Braguinha, Wilson Batista. Com Orestes Barbosa, o mais constante parceiro, compôs Chão de Estrelas. Ainda que com letra difícil, a canção caiu no gosto do público: Tu pisavas nos astros distraída / Sem saber que a ventura desta vida / É a cabrocha, o luar e o violão. Manuel Bandeira considerava este o verso mais belo da língua portuguesa.

Durante anos, a dúvida pairou. Afinal, quem era melhor: ele, Chico Alves, Orlando Silva ou Carlos Galhardo? Até hoje, com a distância devida, é difícil responder. O fato é que, entre os quatro, foi o que teve carreira mais longa. Foram 65 anos como profissional, marca nunca alcançada por cantor algum do País.

Em 1965, mudou-se para um sítio em Atibaia, interior paulista. De lá só saía quando sentia saudade do microfone – e não foram poucas vezes. A última apresentação ocorreu em São Paulo, em 1997. Morreria no ano seguinte, ao 90 anos. Quase todos dedicados à música.

11 de janeiro de 2010

Samba e amor

Este blogueiro metido a sambista é um dos entrevistados da reportagem "O que pode fazer um coração machucado" , da revista Continuum, do Itaú Cultural. Está ao lado de gente boa, como Teresa Cristina, Douglas Germano, Fabiana Cozza, Moisés da Rocha, João Cavalcanti, entre outros. Na matéria assinada pelo jornalista Thiago Rosenberg, todos tentam explicar (ou entender) a relação entre o amor e o samba. Assunto difícil, mas cada um deu seu pitaco.
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Melhor: a edição é toda dedicada ao nosso estilo musical do coração.
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Para ler a matéria completa, clique aqui.

8 de janeiro de 2010

Um compositor de ouro

Ele escreveu a última linha da canção e, sentindo que tinha feito algo fora de série, entrou em êxtase. Caprichou na harmonização e mostrou a novidade ao parceiro Benedito Lacerda. A reação foi decepcionante. “Olha, meu compadre, tá muito bonito, viu, muito bonito. Essa é uma música ótima pra você cantar na igreja. Nunca vai tocar no rádio.” A despeito da previsão, Ave Maria no Morro, lançada em 1942, é um dos maiores sucessos da música brasileira. Inaugurou até um estilo musical, o samba-canção: Barracão de zinco / Sem telhado, sem pintura / Lá no morro / Barracão é bangalô / Lá não existe felicidade de arranha-céu / Pois quem mora lá no morro / Já vive pertinho do céu

Herivelto Martins nasceu em 30 de janeiro de 1912 no distrito de Rodeio, atual Engenheiro Paulo de Frontin, no interior Fluminense. Estimulado pelo pai, agitava a cidade com grupos teatrais e musicais. Mas a família mudou para São Paulo. Com a maioridade recém-completa, o rapaz partiu para o Rio. Queria ser artista.

Preto e Branco

O começo na Cidade Maravilhosa não foi fácil. Teve que dividir um quarto minúsculo com sete companheiros. “Só melhorou com a Revolução de 1932: morreram quatro”, brincava. Fazia bicos aqui e acolá quando recebeu um convite para ser gerente de uma barbearia no morro de São Carlos. Aceitou com uma condição: “Tenho que sair de vez em quando, pois sou artista”.

Com o novo emprego, poderia estar perto do pessoal do Estácio, os malandros cariocas que faziam os melhores sambas da cidade. Era um dos poucos compositores brancos a pintar por lá. Numa dessas andanças pelo bairro, foi convidado a assistir a um ensaio. Quando surgiu uma brecha, apresentou Da Cor do Meu Violão. Um produtor que estava por lá ouviu, gostou e mandou gravar. Era sua primeira música em disco.

Herivelto passou a compor sem parar: tangos, marchas, sambas. Mostrava-se um compositor eclético. E frenético: “A rapidez com que componho às vezes surpreende a mim mesmo”. Após um ensaio, fez um coro informal com o cantor Francisco Sena. Outro produtor viu e adorou. Procurava uma atração para apresentações no Cine Odeon. Nascia a dupla Preto e Branco. Mas o parceiro morreu prematuramente. Herivelto seguiu sozinho até conhecer Nilo Chagas, com quem reviveu a dupla. Nessa época conheceu também alguém que mudaria a sua trajetória.

Trio de Ouro

Herivelto ficou maravilhado ao ouvir o canto técnico e poderoso de Dalva de Oliveira. Logo se tornaram parceiros nos palcos e na vida. Casaram-se em 1938, e o grupo ganhou uma nova integrante. Um radialista anunciou: “Vamos ouvir agora Dalva de Oliveira e a dupla Preto e Branco, um trio de ouro”. Surgia o nome do primeiro – e melhor – trio vocal brasileiro.

Em quase 10 anos de sucesso, o Trio de Ouro lotou cassinos, teatros e auditórios de rádio. As músicas de Herivelto tornaram-se clássicos: Praça Onze, Lá em Mangueira, Calado Venci.
Além, claro, de Ave Maria no Morro – apesar das reclamações de um cardeal, que dizia que a canção era uma heresia e exigia que fosse censurada.

Em 1942, Herivelto assumiu a função de assistente do diretor Orson Welles, que viera ao País produzir o filme É Tudo Verdade. Para organizar os músicos, deu-lhe na cabeça usar um apito. Benedito Lacerda novamente fez um muxoxo: “Parece guarda-civil”. Dali nascia o uso do apito como elemento rítmico, principalmente nas escolas de samba.

“Seu mal é comentar o passado”

Enquanto o Trio de Ouro fazia sucesso Brasil afora, as brigas conjugais chegavam a níveis insuportáveis. Em 1947 viria a dolorosa separação. Os jornais se deliciavam com a briga pública do casal mais famoso do País. “Boa cantora, péssima esposa”, dizia Herivelto a um jornal. “Meu lar era um botequim”, devolvia Dalva.

A coisa esquentou quando a briga invadiu as músicas. Enquanto Dalva cantava Errei, sim/ Manchei o teu nome / Mas foste tu mesmo o culpado / Deixavas-me em casa / Me trocando pela orgia / Faltando sempre / Com a tua companhia (Errei, Sim, de Ataulfo Alves), Herivelto respondia: Teu mal é comentar o passado / Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois… O público adorava.

O Trio de Ouro continuaria com novas formações. Durante a existência, gravou 99 discos com quase 200 músicas.

Homenagens

A chegada dos anos 1960 foi quase uma sentença de morte para Herivelto. O afã por mudanças que assolava a música brasileira o colocou num segundo plano. Os convites para apresentações rareavam. “O rock matou a música popular”, lamentava.

Em 1987, recebeu o Prêmio Shell pelo conjunto da obra. A grande homenagem viria em 1992. A Mangueira – que Herivelto tanto homenageou em canções – preparou, de surpresa, uma apresentação na frente de sua casa: surdos, tamborins, cuícas… Herivelto não hesitou. Pegou um apito e, completamente emocionado, marcou o ritmo da festa.

Em setembro daquele mesmo ano sentiu-se mal. No leito do hospital, teve tempo ainda de anunciar: “Estou morrendo”. E seus olhos azuis fecharam-se para sempre.