25 de setembro de 2008

A malandragem de Donga

A casa da Tia Ciata era famosa no centro do Rio de Janeiro no início do século passado, principalmente pelas reuniões musicais. Entre os freqüentadores estavam Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Sinhô e um tal Donga, que entraria pra história como o autor do primeiro samba, Pelo Telefone. O chefe da polícia/ Pelo telefone / Mandou avisar / Que na Carioca / Tem uma roleta / Para se jogar... Só que a autoria sempre foi contestada. De acordo com vários relatos, a música foi uma criação coletiva em um desses encontros, sem compositor definido. Mas Donga, espertamente, a registrou em novembro de 1916 no Departamento de Direitos Autorais como sendo dele e do jornalista Mauro de Almeida, conhecido como Peru dos Pés Frios. A música foi o maior sucesso do carnaval de 1917. Mas a ironia contra a polícia e a apologia à jogatina – que estava proibida no Rio – poderiam trazer problemas. Num ato de autocensura, os primeiros versos foram mudados para O chefe da folia/ Pelo telefone / Manda avisar / Que com alegria/ Não se questiona/ Para se brincar.

No vídeo abaixo, Donga canta, com Chico Buarque, a música na versão original. Foi transmitido em 1966 no programa da Hebe Camargo. Uma das pessoas que está no palco é o mítico Pixinguinha. Enfim, aperta o play aí.

Donga e Chico Buarque cantam Pelo Telefone

17 de setembro de 2008

O cachorrinho sambista de Adoniran

Em 1957 uma música começou a fazer sucesso nas rádios de São Paulo. Era a canção Deus Te Abençoe, gravada pela Dupla Ouro e Prata. Mas o público se confundia com o autor da música, um tal de Peteleco. Quem seria o desconhecido compositor, afinal? A dúvida foi desfeita na edição de julho daquele ano da Revista do Long-Playing. Peteleco era o cãozinho de estimação de Adoniran Barbosa. “Por que não teria o conhecido cômico usado seu próprio nome? Tem exclusividade com os Demônios da Garoa ou achou que o samba tão bonito não era digno de seu nome?”, questionou o jornalista Francisco D. Silva na revista.
Os motivos que levaram Adoniran a “lançar” seu fiel amigo na música permanecem obscuros. Mas a carreira do gracioso vira-lata continuaria em outras composições, por motivos mais claros. Em alguns casos, para fazer parceria com artistas de outros sindicatos e associações de recebimento autoral. Em outros, simplesmente porque não queria ver seu nome associado a determinado parceiro.
Contabiliza-se que Peteleco foi “autor” de cinco sambas. Além de Deus Te Abençoe, assinou sozinho as canções Pra Que Chorar e Onde Vai, Leão. Em parceria, está com o nome registrado em É da Banda de Lá (com Irvando Luiz), Nóis Não Usa as Bleque Tais (com Gianfrancesco Guarnieri) e Mãe, Eu Juro (com Marques Filho, como o cantor Noite Ilustrada assinava suas músicas à época).
O último caso é fruto de uma das mais importantes polêmicas da música brasileira. De acordo com entrevistas dadas por Noite, ele é o verdadeiro autor da melodia de Bom Dia, Tristeza, que foi creditada somente a Adoniran e Vinicius de Moraes. Adoniran teria pedido que fizesse a música e, na hora de registrar, excluiu seu nome. Há quem discorde. Segundo Ayrton Mugnaini Jr., autor da biografia de Adoniran, é discutível essa versão. “Com todo o respeito a Noite Ilustrada, não creio ter sido ele o autor da melodia”, explica. Mas o fato é que, logo após a polêmica, Noite - que estava em início de carreira - o convidou para terminar um samba intitulado Mãe, Eu Juro. Adoniran aceitou, mas registrou o nome de seu cãozinho. Noite ficou magoado e os dois nunca mais se falaram.
O amor de Adoniran por Peteleco, porém, permaneceu inabalável. Mais do que “parceiro musical”, era o seu grande companheiro. O cachorro vivia ao lado do cantor e também tinha jeito de artista. Ele próprio buscava os doces na padaria, numa prateleira mais baixa, para deslumbramento do padeiro. Nas constantes viagens a Santos, gostava de ficar sobre o peito do dono, enquanto boiava no mar. E foi na cidade que o cachorrinho morreu, após comer um alimento estragado. Acredita-se que o samba Não Quero Entrar, lançado em 1968, tenha sido composto em homenagem a Peteleco: "Eu voltei somente pra buscar/ Meu cachorrinho, meu cobertor e meu violão...".

16 de setembro de 2008

"Um minuto só, cavalheiro"

Nóis viemo aqui pra beber ou pra conversar?

10 de setembro de 2008

Um homem de moral

No fim de agosto entrevistei, para a revista Almanaque Brasil, o zoólogo e compositor Paulo Vanzolini (tem até foto pra provar o feito). Antes da entrevista, alguns me advertiram: "Cuidado. O Paulo não tem muita paciência pra besteira". Acho que não perguntei muita besteira, porque conheci uma pessoa leve e bem-humorada. Contou histórias, falou dos trabalhos científicos e, principalmente, de música com empolgação.
O que mais agrada é seu jeito objetivo, sem frescuras. Faz elogios e críticas a fatos e personalidades sem mudar a expressão ou o tom de voz. Ponho abaixo alguns trechos que foram publicados no Almanaque.

Ronda
Compus Ronda em 1945, quando estava servindo o Exército. Às vezes, dava patrulha no meretrício e, sabe como é, sambista sempre está atrás de temas. Eu via aquelas mulheres indo de bar em bar, como quem procurasse algo. A música é uma piada, uma brincadeira. Vou iludindo o ouvinte, que pensa que é uma música romântica, de uma mulher que pretende encontrar o amado. Aí, no fim, o que ela quer mesmo é descarregar o pente no pilantra. Na verdade, não acho essa canção grande coisa. É meio piegas.

Música era hobby
Música para mim sempre foi um hobby, uma diversão entre amigos. Também nunca compus para gravar. O mercado da música era uma droga, muito sujo. O primeiro sambista profissional que conheci foi o Ismael Silva. Eu perguntava: "Essa música não é sua, Ismael? Não foi você que fez?". Ele respondia: "Eu fiz, mas vendi pro Francisco Alves. Então é dele". Sambas maravilhosos eram vendidos por 20 mil réis, uma mixaria.

Chico Buarque
Desde pequeno era um menino fabuloso e superinteligente. Um dia, ainda bem jovem, ele me mostrou uma música que acabara de compor, Pedro Pedreiro. Fiquei impressionado como aquela canção era perfeita. Chico é a única unanimidade nacional. Pode-se discutir a respeito de qualquer um, menos de Chico.

Vinicius de Moraes
Uma das melhores pessoas que conheci na vida. Só tinha o defeito de fazer samba nas coxas, de uma noite para a outra, quase só com emoção. Em geral, o resultado era ruim. Vinicius foi um dos maiores poetas da língua portuguesa e um péssimo sambista.

Sem exageros

Sou absolutamente contra cantores excessivos, cheios de emoção e firula. Meus sambas já têm muita emoção. Se puser mais, lambuza tudo, fica uma coisa piegas.

Sem novos sambas

Meu último samba é Quando Eu For Eu Vou Sem Pena. Por volta dos 80 anos (ele tem 84), de uma hora para a outra, perdi completamente a vontade. Não voltarei a compor. Mas já fiz mais de 60 músicas. Está bom demais.