17 de janeiro de 2008

Com saudade, sem saudosismo

Lendo e-mails antigos, encontrei essa reportagem que produzi pro jornal da faculdade, em 2003. O personagem é o jornalista e escritor Fernando Pessoa Ferreira. Foi uma das entrevistas mais bacanas que já fiz. Publico na íntegra (escrever "publico na íntegra" é a vantagem de se ter um blog).

Obs: para saber mais sobre o Jogral, clique aqui.

Com saudade, sem saudosismo

Bruno Hoffmann

O jornalista Fernando Pessoa Ferreira, 71 anos, é a prova que o caminho equilibrado pode ser o mais correto. É uma figura que demonstra que nem sempre os extremos valem a pena. Ser o maior, ser o pior, ser o que mais lutou contra a ditadura, ser o mais alienado. Ele não foi nada disso. O maniqueísmo não cabe com ele. Nascido em Recife e em São Paulo desde 1968, Ferreira passou pelos anos de ditadura de forma politizada, esquerdista, mas não radical. Foi preso pelos militares, e não acha isso um grande status. Fez amigos intelectuais – e famosos – porém a fama não chegou a ele, e está feliz assim. Dividiu mesas de bar com Ruy Castro – seu melhor amigo até hoje –, Fernando Morais, Ziraldo, Millôr Fernandes. Bateu longos papos com figuras lendárias, como o artista plástico e ícone de Ipanema Hugo Bidet. Mas não guarda saudosismo daquele tempo. Escreveu quatro livros, dois de poesias e dois de contos. No primeiro, O Instrumento do Tempo, ganhou, em 1958, o prêmio Fábio Prado, o mais importante da categoria na época. Com o dinheiro da premiação (“muita grana!”), casou-se e mobiliou o apartamento inteiro. E, anos depois, cansou-se de escrever poesias. Está finalizando seu quinto livro, de contos, com previsão de lançamento para 2004. Trabalhou na Folha de São Paulo, na Quatro Rodas, na revista Realidade, e em outras publicações. Não acha que o jornalismo de antigamente era melhor que o atual, que as pessoas eram mais intelectuais e politizadas ou que aquela época era um tempo romântico. Hoje, de cabelo e barba brancos, e com muita vitalidade, é assessor de imprensa da Secretaria de Economia e Planejamento.
No departamento em que trabalha, com janelas retangulares grandes, no qual se tem uma vista quase total da avenida Faria Lima, Ferreira concedeu esta entrevista por mais de duas horas. Em tom de bate-papo, relembrou os “anos de chumbo”, contou sua relação com a intelectualidade paulista, destacou que o jornalismo atual não é pior do que o feito há anos, e, acima de tudo, criticou qualquer tipo de saudosismo em relação àquela época. “Acreditar que os anos 70 eram uma época mágica, na qual todos eram mais intelectualizados, a vida era mais divertida e o jornalismo era melhor é uma grande besteira. Tudo era muito parecido com estes tempos”, afirma.

“Eu rondo a cidade...”

É difícil de acreditar. Hoje não há o Jogral, bar que ganhou glamour no fim dos anos 60. Ficava na rua Avanhandava, no Centro, e reunia como nenhum outro a intelectualidade da época. Ferreira chegou em São Paulo em 1968, e lembra que por lá aparecia constantemente os cantores Maysa, Jorge Ben (desacompanhado do Jor), Paulo Vanzolini, Eduardo Gudin, Toquinho, Elza Soares, e outros ícones da época, como Ziraldo e Irene Ravache. “Conheci a maioria desse pessoal no Jogral. Por muitas vezes, ouvi canjas maravilhosas da Maysa, do Jorge Ben, do Toquinho”, lembra. O dono do bar era Luis Carlos Paraná, agitador cultural e músico, que morreu em 1970. “Agora há uma praça com o nome dele, aqui mesmo no Itaim. Estamos perto de novo”, diz, de brincadeirinha.
Se Ziraldo e Millôr vinham às vezes para São Paulo, Ferreira também costumava retribuir a visita. O jornalista pegou o auge de Ipanema, onde tudo “era só felicidade”. Mas nem essa época ele romantiza. “Dizem por aí que era o melhor lugar do mundo, há uma fantasia sobre Ipanema. Não há motivo algum pra isso. Só posso dizer que era um bairro muito, mas muito bom de estar”. Em Ipanema, o Jangadeiro era seu local preferido. Lá conheceu Hugo Bidet – “Figura fantástica” -, um dos fundadores da Banda de Ipanema. Tomava chopes com Vinícius de Moraes, discutia política com Paulo Francis... e ele insiste que não há motivos para saudosismo.
Em São Paulo, além do Jogral, outros bares foram (muito) freqüentados por ele. O jornalista lembra de dois com um pouco mais de carinho: o Quincas Borba e o Paulicéia Desvairada. Com nomes intelectuais de propósito, esses bares ficavam lotados quase que diariamente por pensadores, poetas, músicos, e muitos jornalistas. Apesar dessa, como dizem, “nata da intelectualidade”, bebia-se muito, falava-se muito de futebol, de mulher... e quase nada de política. Mas, “quem era favorável à ditadura não entrava lá”, afirma.
Apesar desse distanciamento de assuntos políticos nos botecos, quando o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) conquistou maioria nas eleições majoritárias para o Senado, em 1974, ele e Paulo Vanzolini passaram a noite no Jogral, que tentava se reerguer após a morte de Paraná, bebendo em homenagem ao início da virada do jogo político. “Mas foi uma das poucas vezes que fomos beber por uma motivação política”, afirma.

Prisão

Como todo intelectual que se preze, ele foi preso pela ditadura, em 1969, auge da repressão política. Ferreira foi acusado de hospedar um procurado pelos militares. Passou 26 detidos, sendo os 14 últimos em Belo Horizonte. Os militares não davam informações aos familiares. “Eles simplesmente desapareceram comigo”, recorda. Ele conseguiu sair da prisão após pedir para um outro preso, que seria solto naquele dia, para avisar a direção da Abril que ele estava preso. “Os militares queriam saber de qualquer maneira como a Abril descobriu que eu estava em Belo Horizonte. Se não descobrisse, não sei quando sairia”.
Ele não foi torturado – “tomei só um tapão pra entrar logo na viatura” – mas colegas presos junto com ele sofreram torturas brutais.“Foi uma época difícil. Os militares tinham prazer em prender, em bater, em torturar. Segundo eles, faziam tudo isso em nome do Brasil”.

Pasquim e censura
Em outubro de 1970 toda a redação d’O Pasquim foi presa por agentes do Doi-Codi (salvou-se a secretária). Henfil, Millôr e Miguel Paiva, que escaparam da prisão, decidiram manter o jornal em circulação. Para isso, receberam contribuições de diversos artistas e intelectuais, entre essas colaborações um conto de Ferreira. Chamava-se “O Dia em que Jesus Prendeu Poncio Pilatos por Desacato a Autoridade”. O texto foi cortado em diversas partes pelo censor. Por exemplo, a palavra Jesus saiu do título. “O censor era uma verdadeira anta. Qualquer um que aceite esse cargo só pode ser um energúmeno. Ele cortou meu texto, e não havia referencia alguma à ditadura e nenhum tipo de crítica à religião. Assim que eles trabalhavam: viam uma palavra que não gostavam e cortavam. O contexto pouco importava”.

“O Globo é o mais imparcial”

Passado por diversas funções do jornalismo impresso, Ferreira acredita que os grandes jornais, em geral, são bons. Ou ao menos parecido com o nível dos anos 70. Mas tem seus preferidos. “A Folha eu acho confusa, o Estadão eu considero o mais bem produzido”. Mas, para ele, o melhor jornal do País não está na cidade. “O Globo me surpreende. Me parece o que tenta ser o mais imparcial de todos, dando espaço ao maior número de correntes de opinião”, afirma.
De resto, diz que é um jornalista, e não um estudioso sobre o jornalismo, e que, portanto, não pode dar opiniões profundas sobre o assunto. Fala do passado com desenvoltura, mas sem empolgação gratuita. Parece que o passado foi um tempo bom, mas que não é o que mais importa. A definição é essa: foi um tempo bom. E basta.
Escritor de cinco livros – O Instrumento do Tempo (1958), Em Redor do A (68), Os Fantasmas da Gaveta (81), Umbigo do Anjo (99), Os Demônios Morrem duas Vezes (ainda inédito), jornalista há 50 anos, amigo de intelectuais de toda espécie, testemunha de fatos históricos, preso pelos militares, colaborador do Pasquim, Fernando Pessoa Ferreira, ao ser perguntando por este repórter qual é um grande comunicador que lhe vem à cabeça, respondeu: “Casseta e Planeta”. O grupo humorístico é sensacional, mas, convenhamos, é muito pouco saudosismo...

10 de janeiro de 2008

O samba está na moda (e meu charme já era)

Como é bom gostar – sinceramente, sem fazer tipo – de coisas que pouca gente gosta. Há dez anos me sentia o supra-sumo da intelectualidade paulistana ao explicar detalhes sobre a obra de Chico Buarque. Há uns cinco, era gênio por exaltar a revolução musical de João Gilberto. Há dois, gostar de Geraldo Pereira me diferenciava da multidão. Pois bem: falar de Chico se tornou lugar-comum, João Gilberto é citado a cada três minutos e Sem Compromisso é a música pop do momento. Virei burro.

O samba está na moda. A Lapa (RJ) e a Vila Madalena (SP) que o diga. Os bares estão lotados de semi-adolescentes apaixonados por Nelson Cavaquinho, Cartola, Herivelto Martins e Paulo Vanzolini. O primeiro pensamento é inevitável: “O que essa gentalha ta fazendo usufruindo da minha música?". Mas, logo depois, lembro o que pensava na época em que me sentia inteligente: "O que essa gentalha ta fazendo ouvindo música eletrônica? Vai escutar samba, pô!". Conclusão: a "gentalha" estar certa ou errada é um dos mistérios do momento. Enquanto isso, vou tentar conhecer melhor a música romena. Ou ficar mudo.