3 de dezembro de 2009

"Você vai se quiser..."

Ao saber do casamento de um primo, Noel Rosa mandou o recado: “Meu querido primo Jacy, um abraço! Quero com ele dar os meus pêsamos pelo seu casamento”. Amante da liberdade e da vida boêmia, contrair núpcias não figurava entre as prioridades do jovem sambista. Chegou até a compor Capricho de Rapaz Solteiro, na qual ensina: A mulher é um achado / Que nos perde e nos atrasa / Não há malandro casado / Pois malandro não se casa.

Aos 23 anos, porém, ele teve um rápido relacionamento com Lindaura, então menor de idade. Não esperava que a mãe da moça fosse reclamar com o delegado: “Noel raptou minha filha!”. A condição para não abrir o inquérito era que ele se casasse com Lindaura. Noel chegou a dizer que preferia a cadeia mas, depois de muito bafafá, acabou cedendo. Na foto, tirada em 1º de dezembro de 1934, demonstra toda a satisfação por entrar no time dos casados.

É bom lembrar: Ceci foi a inspiradora de muitos sambas geniais de Noel. Já Lindaura é a “musa-inspiradora” de apenas esse: Você vai se quiser / Pois a mulher não se deve obrigar a trabalhar / Mas não vai dizer depois / Que você não tem vestido / Que o jantar não dá pra dois...

27 de outubro de 2009

Um sambista de calçada


Junho de 2000. O cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, entardeceu transformado. Uma pequena multidão evocava canções inesquecíveis entre sorrisos e lágrimas. Tudo em respeito a um pedido de João Nogueira: “Quero que o meu velório se transforme numa festa em homenagem ao samba”. Poucos, com a sua ginga e carioquismo, foram tão a cara dos subúrbios cariocas, dos sambas feitos em mesas de lata. Ele mesmo se definia: “Não sou nem do morro e nem do asfalto. Sou um sambista de calçada”.

Foi assim desde pequeno. João Batista Nogueira Júnior nasceu em 12 de novembro de 1941 no Méier, subúrbio da zona norte do Rio. O menino vivia solto pelas ruas, sempre pronto para aprontar uma molecagem com os vizinhos. Mas bastava um olhar de desaprovação do pai para ficar quietinho. O homem sério, severo, mas nunca agressivo, era o grande ídolo do pequeno João. “Quando eu acordava e o via, era como se estivesse vendo Deus”, diria, décadas mais tarde.

Foi com o pai, violonista dos bons, que João começou a pegar gosto pela música. As visitas que a casa recebia ajudavam o projeto: Pixinguinha, Donga, João da Baiana. Mas quando tinha apenas 10 anos, o pai morre. Um baque para o menino, que teve que sair para trabalhar: office-boy, vitrinista, bancário.

A diversões eram as rodas de música nos botecos do bairro – já compunha, mas sem pretensão profissional. Os blocos carnavalescos também o animavam, em especial o Labaredas do Méier, do qual começou a se aproximar aos 17 anos. João ganhava todos os concursos para a escolha de sambas – a disputa até perdia a graça. Nessa época, gravou o primeiro disco, um compacto que não rendeu repercussão alguma.

Um dos que perceberam que o menino era bom de fato foi Paulo Valdez, filho da cantora Elizeth Cardoso. Ao ouvir mais um belo samba, sugeriu que fosse falar com Elizeth – afinal, ela estava pra gravar um disco. João não levou muito a sério: “Eu achei que fosse papo de quem tá de porre e promete tudo. Imagina, ter uma música gravada pela Divina...”. Não era, e por sorte o encontro foi marcado. No elepê Falou e Disse, ela soltava a voz em Corrente de Aço. Logo depois, João conseguiu entrar para a ala de compositores da Portela. A carreira começava a deslanchar.

Sendo samba, João entendia

A partir dos anos 1970, começou a lançar um disco atrás do outro, nos quais se destacava seu estilo original, sincopado, difícil de classificar. Os sambas de João tudo continham (às vezes ao mesmo tempo): partido alto, bossa, samba tradicional, de exaltação, seresteiros, afro-sambas. As letras também eram dos mais diferentes tipos. Começou a se aproximar de novos parceiros. O mais contante seria Paulo César Pinheiro. Com ele gravou, em 1975, o maior sucesso da música brasileira daquele ano: Mineira, em homenagem à cantora Clara Nunes, que era casada com Paulo.

Outra canção com o parceiro preferido tornaria-se a mais emblemática da carreira: Espelho, na qual relembra com extrema beleza a infância suburbana e a figura do pai: Num dia de tristeza me faltou o velho / E falta lhe confesso que ainda hoje faz... Em 1983, com a morte de Clara , ainda faria em parceria com Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte a canção Um Ser de Luz. “Éramos os maiores parceiros dela. Cada vez que a gente se encontrava para terminar a música era um derramar de lágrimas”.

Clube do Samba

“Em 1979 não se ouvia música brasileira no Brasil”, dizia João Nogueira. No fim daquela década, as rádios estavam infestadas pela música de discoteca, influenciada pelo filme Embalos de Sábado À Noite e pela novela global Dancing Days. Os sambistas passavam um perrengue danado pela falta de lugar para gravar e se apresentar. Engajado, João decidiu criar um local onde os artistas poderiam discutir sobre música e mostrar obras novas – e antigas também. Surgia o Clube do Samba.

A primeira reunião ocorreu no quintal da própria casa. Mais de 100 artistas marcaram presença. Entre eles, Martinho da Vila, Clementina de Jesus e Nelson Sargento. Um verdadeiro quartel-general em defesa da cultura brasileira. A primeira música tocada pelo presentes não poderia ser mais precisa: Samba, agoniza mas não morre / Alguém sempre me socorre / Antes do suspiro derradeiro... O Clube do Samba existe até hoje, e desfila durante o carnaval pela avenida Rio Branco.

Na avenida

Em 1984, houve um movimento de dissidência da Portela motivado por diferenças de alguns integrantes com o presidente Carlinhos Maracanã. Um grupo criou a escola de samba Tradição. João Nogueira e Paulo César Pinheiro foram chamados para ser os compositores dos sambas-enredos. Melhor impossível. Em apenas três anos, numa subida meteórica, a escola saiu do grupo II-B (algo como a quarta divisão) para o Grupo Especial.

Durante os anos subsequentes, João não pararia de lançar discos e de viajar pelo País em apresentações concorridas. Quando estava prestes a lançar o 19º elepê, sofreu um enfarte em casa. Seu samba emudecia. Com ele morria um estilo único.

Na marcha pelas alamedas do cemitério, a pequena multidão soltou, em uníssono, um derradeiro e comovente canto de despedida, lembrando-se da música que João havia feito para Clara 17 anos antes: Sabiá / Que falta faz sua alegria / Sem você / Meu canto agora é só melancolia / Canta, meu sabiá / Voa, meu sabiá / Adeus, meu sabiá / Até um dia...

12 de setembro de 2009

Noel e o Bando de Tangarás

Eis o único registro audiovisual de Noel Rosa. Ele apresenta, ao violão, o ótimo lundu Vamos Falá do Norte, como integrante do Bando de Tangarás.

O grupo era formado por Noel, Henrique Brito, Alvinho e dois dos grandes nomes da música popular: Almirante (no vocal) e Braguinha.

Na época ninguém era famoso. O Bando de Tangarás fazia questão de se manter no amadorismo. Mesmo assim, em quatro anos de existência, gravou 34 discos com 63 músicas ao total.

Destaque para Na Pavuna, de 1930. É a primeira canção da música brasileira a ser gravada com instrumentos de percussão.

4 de agosto de 2009

O vulcão Tim Maia

Capaz de gestos nobres e de brigas homéricas, Tim Maia não era um sujeito fácil de lidar. É o pai da soul music brasileira, e apresentou ao País uma sonoridade jamais ouvida por estas terras. Era perfeccionista, e levava à loucura os músicos e os técnicos de som, que não conseguiam acompanhar a sua genialidade musical. Faltava a shows, xingava a plateia, entrava em seitas malucas. O Brasil, em resposta, só conseguiu amá-lo. Com razão.

Ele mesmo se definia: “Sou o gordinho mais simpático da Tijuca”. E, para muitos, tornaria-se o gordinho mais simpático do Brasil. E ia além: o mais talentoso, o mais generoso, mas também o mais briguento, o mais explosivo, o mais corrosivo, o mais auto-destrutivo. O senso-comum não seria capaz de compreender o vulcão Tim Maia.

Sebastião Rodrigues Maia nasceu em 28 de setembro de 1942 numa numerosa e religiosa família de 12 filhos do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro – chegou a ser, a contragosto, coroinha da paróquia local. Caçula, era o mais paparicado de todos. Foi o único a ganhar uma bicicleta quando completou 12 anos.

Mas o que lhe interessava desde cedo era a música, inspirado no rock norte-americano que ouvia no rádio: Elvis Presley, Little Richard, Chuck Berry. Criou bandas, e todas acabaram por brigas durante os ensaios. Não era fácil acompanhar o temperamento e o perfeccionismo de Tião.

Em 1957 formou um quarteto, O Sputnik. Chamou dois amigos próximos. Para completar, um dos amigos lhe apresentou um capixaba que, diziam, cantava bem: Roberto Carlos.

O grupo conseguiu se apresentar no programa Clube do Rock, da TV Tupi, comandado por Carlos Imperial. Não passaria daí. Nos bastidores, Roberto disse a Imperial que sabia imitar Elvis, e Tião – numa mistura de raiva e boa dose de ciúme – não gostou nada daquilo. E O Sputinik acabava antes de alçar voo. Ainda conseguiu receber um conselho de Imperial: “Mude seu nome para Tim”.

O pai do soul brasileiro

Em 1959, com 12 dólares no bolso, decidiu se mandar para os Estados Unidos. Lá ganhou intimidade com a música negra americana, formou a banda The Ideals, trabalhou até como babá e experimentou maconha pela primeira vez. Também foi preso por roubar um carro para viajar pelo país. Voltou em 1964, já com as ideias bem definidas sobre a soul music.

Em terras brasileiras, gravou um compacto com músicas em inglês, e a repercussão foi parecida com nada. Os ouvidos ainda não estavam preparados para a novidade. Numa apresentação, se juntou à turma da Jovem Guarda. As garotas, acostumadas com as baladinhas dos rapazes brancos de boa-família, se assustaram com a figura mal-encarada que surgia no palco. Ainda mais cantando em inglês. Aplausos xoxos, que seriam substituídos por gritos histéricos ao ser anunciada a próxima atração, Erasmo Carlos. Tim, sabedor do seu talento, chorou no banheiro.

Ele também tinha grande complexo pela sua aparência física. Em 1968 hospedou-se na casa de dois amigos, um músico, outro empresário. Eles eram boa-pinta, e os brotos não saiam de lá. Todas para eles, nenhuma para Tim, que ouvia, triste, a diversão alheia pela parede do quarto. Numa ocasião, quase chorando, compos a sua melhor música: Ah! Se o mundo inteiro / Me pudesse ouvir / Tenho muito pra contar / Dizer que aprendi / E na vida a gente / Tem que entender / Que um nasce pra sofrer / Enquanto o outro ri. “Mermão! Tu acabou de fazer a música da tua vida”, comemorou um desses amigos.

As coisas começariam a mudar quando Roberto lhe pediu uma música mais cafajeste, mais soul, sem se assemelhar às baladinhas da Jovem Guarda. E nasceu Não Vou Ficar: Há muito tempo eu ouvi calado / Mas agora resolvi falar / Não tem mais jeito, tudo está desfeito / E com você não posso mais ficar, não. Na mosca.

Também entrou em estúdios com Elis Regina. E, em 1970, lançou o primeiro elepê solo. A música João Coragem entrou na novela homônima, da TV Globo. E o soul começava a cair no gosto popular.

Na esteira vieram mais três discos, com sucessos como Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar) e Gostava Tanto de Você. Até que uma seita cruzou o seu caminho.

Universo em desencanto

Em 1975 Tim folheou, à toa, um livro que estava sobre a mesa de um amigo. Ficou maluco sobre as coisas que estavam escritas. Anunciou que tinha descoberto toda a verdade sobre a existência. “Nós somos originários de um planeta distante e perfeitos e estamos na Terra exilados”. Era parte da doutrina do Universo em Desencanto.

A seita, comandada por seu Manoel Jacintho, pregava que os adeptos não podiam beber, usar drogas, comer carne vermelha e fazer sexo sem ser para procriação. Também tinham que se vestir apenas de branco. De preferência com uma camiseta que trazia o logotipo da seita, que representa uma porta aberta para o infinito. Tim mandou que até os instrumentos fossem pintados de branco. Só se salvaram as teclas pretas do piano.

Nessa viagem, surgiram dois discos que propagavam o ideal racional. E dá-lhe exortar os ouvintes a ler o tal livro da seita. Na música Bom Senso, explica: Já senti saudade / Já fiz muita coisa errada / Já dormi na rua / Já pedi ajuda / Mas lendo atingi bom senso / A imunização racional. Numa certa manhã, cansou-se de tudo aquilo e espalhou para todos que Jacintho era um picareta. Tim voltava ao normal. Ao seu normal.

O amável encrenqueiro

Durante os anos 1980 e 1990 surgiram vários sucessos, como Descobridor dos Sete Mares, Me Dê Motivos e Do Leme ao Pontal. Ao mesmo tempo reforçava a fama de temperamental, de faltar a shows e de brigar com gravadoras, músicos e desesperados técnicos de som. Não poupava nem a plateia, e vez ou outra soltava impropérios aos fãs que o vaiavam por demorar a começar algum show. Nada que fizesse ser menos admirado. Em 1993, reuniu o maior público da história do Circo Voador.

Ao mesmo tempo era capaz de gestos de extrema sensibilidade. Ele, de tempos em tempos, costumava abrir sua casa para receber dezenas de meninos residentes em orfanatos. E brincava mais do que as crianças.

Era respeitado por craques da música. Só de Caetano Veloso há duas canções que fazem referência a Tim: Podres Poderes e Eclipse Oculto: Quero ser seu amor / Quero ser seu amigo / Quero que tudo saia / Como som de Tim Maia... Já para Jorge Ben, o artista era “o síndico” do Brasil.

Em 8 de março de 1998 subiu ao palco do Teatro Municipal de Niterói para mais uma apresentação. Tentou cantar, mas não conseguiu sair dos primeiros versos de Não Quero Dinheiro, e se retirou do palco. O público achou que era mais uma malcriação, e começou a vair. Não era. Minutos depois verificou-se que ele tinha sofrido uma crise de hipertensão, uma embolia pulmonar e uma parada cardiorespiratória. Foi internado no Hospital Antônio Pedro. Não resistiria. E, em 15 de março de 1998, o pulsante coração de Tim parou de pulsar.

30 de julho de 2009

O Ouro e a Madeira

Segundo uma amiga, o samba O Ouro e a Madeira, de Ederaldo Gentil e Edil Pacheco, é um dos mais bonitos do mundo.

Ederaldo Gentil é um sambista baiano - assim como Batatinha, Riachão, Nelson Rufino e outros - que não conseguiu visibilidade nacional. Boa parte pelo vício midático de fechar a produção cultural brasileiro no Rio e em São Paulo. E hoje ele é um nome quase em extinção.

Mas, ela tem razão, O Ouro e Madeira é um dos melhores sambas do mundo. Acima, Ederaldo apresenta a canção no programa MPB Especial, atual Ensaio, da TV Cultura.

29 de julho de 2009

Ai, Corinthians...

O surgimento de Pelé foi um calvário para o Corinthians. O Rei tinha no time do Parque São Jorge sua vítima preferida (detalhe: dizem que Pelé era corintiano na infância). Durante o período, a equipe não ganhou nada. Foram 22 anos, oito meses e sete dias sem gritar “É campeão!”. A fiel torcida, no entanto, só crescia. Mas a cada ano, a cada título perdido, a cada bola na trave, a angústia aumentava.
.
Esse sofrimento inspirou Paulinho Nogueira a criar Meus 20 anos. Para este blogueiro, a mais singela e comovente música sobre o Corinthians: Até um simples empate que podia consolar / Geralmente é conquistado quando é preciso ganhar / Mas nessas poucas vitórias / Algumas sensacionais / A gente esquece de tudo / Não desanima jamais / Ai, Corinthians, cachaça do torcedor
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Mas há muitas outras. O Corinthians provavelmente é o clube brasileiro que mais inspirou canções populares. Eis algumas, com os versos mais emblemáticos ao lado:

Corintiá (Gilberto Gil): Ser corinthiano é decidir que todo ano a gente vai sofrer / Se enrolar no pano da bandeira e reclamar se o time não vencer.

Amor Branco e Preto (Rita Lee e Arnaldo Baptista): Meu amor branco e preto / Às vezes me deixou na mão / Mas eu gosto de você / Já não me importa a sua ingratidão.

Bandeira do Timão (Elzo Augusto, conhecida pela voz de Germano Mathias): É que na hora /Que eu peguei aquele pano / Como bom corinthiano / Não tive coragem de rasgar.

Gol de Baltazar (pela voz de Elza Laranjeira): Gol de Baltazar, gol de Baltazar / Sobe o cabecinha: um a zero no placar.

Corinthians do Meu Coração (Toquinho): Ser corinthiano é ir além / De ser ou não ser o primeiro / Ser corinthiano é ser também / Um pouco mais brasileiro.

Moda do Corinthiano (Rolando Boldrin): Deus me deu a minha terra / Meu Brasil, meu ganha pão / E me fez corinthiano / Com muita satisfação.

Corintía, Meu Amor é o Timão (Adoniran Barbosa e Juvenal Fernandes): Como é bom ser alvinegro / Ontem, hoje e amanhã / Respirar o ar mistura / Do Tietê e Tatuapé.

Joga Corinthians (Jorge Ben, conhecida pela voz de Wilson Simonal): Não desanima, não / Pois está chegando o dia da libertação / Do grito / Ser campeão.

Quebra de Tabu (Tião Carreiro e Pardinho, sobre a quebra do tabu sem vitórias sobre o Santos): Até hoje tem um rei / Querendo encontrar a bola / Mas aceitou a escola / Do nosso grande Timão.

Ouça as canções clicando aqui. E Meus 20 Anos no vídeo abaixo.

Meus 20 anos

7 de julho de 2009

Nelson Cavaquinho de outro mundo

Mestre Nelson Cavaquinho se transforma em Mestre Yoda.

30 de junho de 2009

Garrincha amargura o País durante o carnaval

Carnaval de 1980. A Mangueira desfilou sob o enredo Coisas Nossas. Em um carro alegórico, a eterna alegria do povo, Mané Garrincha, era o destaque principal. Mas, debilitado pela sequência de internações por alcoolismo e dopado pelos medicamentos, o anjo das pernas tortas estava irreconhecível.
Não conseguiu sequer desfilar em pé. Sem esboçar expressões faciais, apenas fazia acenos chochos para um público perplexo. Os 90 minutos de desfile – o mesmo tempo de uma partida de futebol – entrou para história como um espetáculo deprimente do eterno camisa 7. Ao fim, sem perceber o que tinha acontecido, apenas perguntou: “E aí, o pessoal gostou?”.

25 de junho de 2009

O homem dos 11 hinos

Lamartine Babo entrou na história da música brasileira pelas marchinhas. Mas também tem lugar de destaque por ter criado o hino de 11 times do Rio: Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, América, Bangu, São Cristóvão, Olaria, Bonsucesso, Madureira e do extinto Canto do Rio. Todos foram compostos em 1949, após ter sido desafiado pelo dono de uma gravadora a fazer os hinos para os principais clubes cariocas. Há versos inusitados, como o do Bangu (Em Bangu se o clube vence há na certa um feriado / Comércio fechado, a torcida reunida até parece a do Fla-Flu). O hino do Botafogo é o único que aparece a palavra perder (Não pode perder, perder pra ninguém). No do Canto do Rio, o futebol fica em segundo plano: Aquela morena / Do Canto do Rio / Que torce e faz cena / E causa arrepio / Queimada da praia… Propositalmente, o último hino composto foi o do América, clube de coração de Lamartine. E é considerado o mais bonito do Brasil: Hei de torcer, torcer, torcer / Hei de torcer até morrer, morrer, morrer / Pois a torcida americana é toda assim / A começar por mim

16 de junho de 2009

Greve de bondes inspira o gremista Lupicínio

Em 1953, uma greve de bondes paralisou Porto Alegre. Operários faltaram ao trabalho, casais deixaram de se ver e torcedores não puderam acompanhar as equipes no estádio. Entre eles, um gremista chamado Lupicínio Rodrigues. Desconsolado, sentou-se à mesa de um bar, sacou a caneta e lá mesmo compôs o que viria a ser um dos mais emblemáticos hinos de time de futebol: Até a pé nós iremos / Para o que der e vier / Mas o certo é que nós estaremos / Com o Grêmio onde o Grêmio estiver

9 de junho de 2009

Música e futebol

Toda a semana, colocarei uma história sobre músicas que falam de futebol. Nada melhor que começar com Wilson Batista, um sambista "levemente" apaixonado pelo Flamengo.

O sambista Wilson Batista era fanático pelo Flamengo. Num certo domingo, foi assistir a uma partida entre o time do coração e o Botafogo, no estádio de General Severiano. O Flamengo foi derrotado. Wilson se revoltou, saiu xingando todo mundo e até se recusou a pagar a passagem do bonde. O amigo Antônio Almeida tentou acalmá-lo, mas recebeu uma resposta de bate-pronto: “Pô, eu tiro o domingo para descansar e vejo meu time perder?”.

Com o mote, ali mesmo compuseram E o Juiz Apitou: Eu tiro o domingo para descansar / Mas não descansei / Que louco fui eu / Regressei do futebol / Todo queimado de sol / O Flamengo perdeu pro Botafogo / Amanhã vou trabalhar / Meu patrão é vascaíno e de mim vai zombar.

Wilson também compôs, em parceria com Jorge de Castro, Samba Rubro-Negro. Era uma exaltação aos jogadores da época: O mais querido tem Rubens, Dequinha e Pavão / Eu já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão. Nos anos 1980, João Nogueira atualizou os craques: O mais querido tem Zico, Adílio e Adão… Recentemente, foi a vez de Diogo Nogueira, com alguma boa vontade na rima (e nos “craques”): O mais querido tem Souza, Obina e Juan / Eu já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão…

Bonde São Januário

Como já contado neste blog, o malandro passou a fazer sambas de exaltação ao trabalho na década de 1930. Uma forma de agradar ao governo de Getúlio Vargas. Como é o caso de Bonde São Januário: Quem trabalha é que tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar / O Bonde São Januário / Leva mais um operário / Sou eu que vou trabalhar...

Dizem, porém, que nas rodas informais da Lapa ele cantava uma outra versão: O bonde São Januário / Leva um portuga otário / Pra ver o Vasco apanhar.

Exigência a Nássara

Wilson produziu o disco Polêmica, uma compilação dos sambas compostos a partir da briga com Noel Rosa. Fez uma única exigência a Nássara, que ilustraria a capa. "Me desenhe com a camisa do Flamengo".

2 de junho de 2009

Dinheiro que é bom...

Vida de sambista não é fácil até hoje. Que dirá nos anos 1960. Cartola já havia se consagrado como fundador da Mangueira e um dos mais importantes compositores da escola. Era respeitado por gente como Noel Rosa, Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Villa-Lobos. Mas toda essa credibilidade não se revertia em conforto na vida econômica. A foto ao lado mostra Cartola, já perto dos 60 anos, trabalhando como contínuo no Ministério da Indústria e Comércio. A principal função de um dos mais extraordinários nomes da música brasileira: servir cafezinho.

Cartola estreou a bordo de um navio. Sem pagamento.

E o artista também não viu a cor do dinheiro em sua estreia fonográfica, 30 anos antes. Como parte da Política de Boa-Vizinhança norte-americana, o inglês radicado nos Estados Unidos Leopold Stokowski atracou o seu navio no Rio de Janeiro em 1940. A missão: registrar a mais legítima música brasileira.

Para tal, pediu ao maestro Villa-Lobos que reunisse artista de samba, batucada, marchas de rancho, macumba e embolada.

.E assim fez Villa-Lobos. A gravação foi feita a bordo do próprio navio. E até o capitão foi espiar. Não era para menos: durante oito horas consecutivas passaram pelos microfones Donga, Pixinguinha, Dona Neuma, Zé da Zilda, Jararaca e Ratinho, João da Baiana. Além de Cartola, que mandou Quem me Vê Sorrindo: Quem me vê sorrindo / Pensa que estou alegre / O meu sorriso é por consolação / Porque sei conter para ninguém ver / O pranto do meu coração...

Estavam prontos os dois álbuns de Native Brazilian Music. O pagamento dos artistas? Estusiasmados cumprimentos... Muitos sequer ouviram a gravação. O disco nunca foi lançado no Brasil.

12 de maio de 2009

Um homem de moral

Numa sessão reservada à imprensa, assisti ao documentário Um Homem de Moral, de Ricardo Dias, sobre a vida e as canções de Paulo Vanzolini. É o melhor documentário / filme sobre um compositor desta década. E olha que houve sobre Cartola, Noel, Vinicius, Paulinho da Viola. Talvez eu faça a afirmação ainda pelo calor do acontecimento, por ser completamente apaixonado pela obra de Vanzolini. Mas o documentário é realmente bom. E emocionante.
O modo como o compositor explica suas canções, sem firulas, sem frescuras, sem exaltação ou modéstias à toa é muito bonito. Não foi contaminado por uma das maiores pragas do mundo moderno: o politicamente correto. Evidencia essa verve logo nas cenas iniciais: "O povo de cada um eu não gosto. Mas do povo em geral eu gosto muito" (como se pode ver no trailer abaixo).
Ele começa a repassar sobre a vida, o trabalho científico e, principalmente, os sambas. Entre uma canção e outra, cenas de São Paulo, tão retratadas pelo compositor. Ele desnuda a cidade não de uma forma romantizada, mas desnuda a fraqueza e a incoerência dos habitantes. Como em Ronda. Parece que a personagem quer fazer as pazes com o amado. Mas, na verdade, apenas pretende descarregar o pente no canalha: Porém, com perfeita paciência / Sigo a te buscar / Hei de encontrar / Bebendo com outras mulheres / Rolando um dadinho / Jogando bilhar / E neste dia, então / Vai dar na primeira edição / Cena de sangue num bar da avenida São João.
Tornou-se um hino de São Paulo. Motivo de orgulho para Vanzolini, certo? Nada disso. Ele considera o samba-canção fraco, piegas. Como explica: "Eu tenho muita dívida com São Paulo. É um absurdo como gostam de Ronda. Mas gostam. Até japonês com dor de corno a canta em karaokês".
Mas o melhor está por vir. Parte do documentário foi gravado durante a feitura de Acerto de Contas, um projeto com a gravação de seus sambas. Cenas de importantes artistas não faltam: Paulinho da Viola, João Macacão, Inezita Barroso, Virgínia Rosa, Martinho da Vila e Chico Buarque, numa definitiva gravação de Praça Clóvis: Na Praça Clóvis minha carteira batida / Tinha 25 cruzeiros e o seu retrato...
Há ainda uma bela participação de Adoniran Barbosa. Em gravação dos anos 1970, ao lado dos Demônios da Garoa, fala de maneira carinhosa sobre o amigo. “Nosso samba é parecido, entende? Só que o Vanzolini é muito mais inteligente que eu. Meus temas são mais bobos, os dele, mais intelectuais. Ele é um cara estudado”. E finaliza: “Ele é um zoológico” (querendo dizer “zoólogo”).
No fim, gente do povo canta Volta por Cima. Aí surge Vanzolini para proferir a frase síntese da sua visão sobre a vida: "Todo mundo presta atenção no verso volta por cima. Mas tem outra coisa que para mim é mais importante: reconhece a queda". Nada mais é necessário. Apenas subir os letreiros.
A previsão de estreia é 29 de maio nos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro.

Trailer de Um Homem de Moral

9 de março de 2009

O que o baiano tem?

Seu estilo único, surgido não-sei-de-onde, impressionou desde as primeiras canções. Com composições originalíssimas, colocou a Bahia no imaginário coletivo dos brasileiros. Esteve nos dois momentos de internacionalização da música nacional. Era famoso pela "preguiça", pela vida devagar, sem aceitar a pressão da indústria fonográfica. Fez apenas 100 canções, mas tornou-se um mito em vida.

É um mistério da música brasileira: de onde surgiu o estilo singular de Dorival Caymmi? Desde as primeiras composições a questão perdura, sem ser devidamente elucidada. Ao ser perguntado se era influenciado pelo baiano, o compositor Chico Buarque respondeu: “Caymmi para mim é um caso à parte na música nacional. Ele é de tal modo despojado que é difícil imitá-lo, copiá-lo, fazer uma música a la Caymmi”.

Nascido a 30 de abril de 1914 em Salvador, Dorival passou a infância de olho no violão do pai, um músico amador. Aprendeu a tocar o instrumento sozinho, e com apenas 15 anos já tinha as primeiras composições. Logo passaria a se apresentar em programas da Rádio Clube da Bahia. Para descolar uns trocados, trabalhava no jornal O Imparcial.

Em 1937 embarcou em um ita rumo ao Rio de Janeiro, onde assumiu uma vaga de jornalista nos Diários Associados e se inscreveu num curso preparatório para a faculdade de Direito. Sem esquecer a música, que continuava compondo para enfrentar os programas de calouro.

Precisou de apenas um ano para conhecer o sucesso. A equipe de Banana da Terra já havia rodado as cenas iniciais do filme quando chegou a notícia. Por razões financeiras, Na Baixa do Sapateiro, de Ary Barroso, não poderia ser usada. A produção tinha que providenciar nova música para Carmen Miranda.

Envolvido com o musical, o radialista Almirante lembrou do rapaz recém-chegado da Bahia. Dias depois o compositor de 24 anos apresentou O Que É Que a Baiana Tem? para Carmen. E ainda sugeriu que a Pequena Notável imitasse os trejeitos das baianas, gesto que se tornaria sua marca registrada.

O que a Baiana Tem, com Carmen Miranda

Com o sucesso, passou a atuar na Rádio Nacional. Na emissora conheceu a cantora Stella Maris, com que se casaria. A companheira estaria ao seu lado por toda a vida.

Baianos em seu caminho

A partir de 1939, Caymmi constrói uma longa lista de músicas tendo o mar como inspiração. Os ouvintes se impressionavam com a naturalidade com a qual os versos entravam na melodia. Alguns exemplos são Rainha do Mar, Promessa de Pescador, A Jangada Voltou Só. Os temas praieiros não se limitavam à música. Passou a se dedicar à pintura e ao desenho. Os cenários baianos eram a inspiração: pescadores, comunidades a beira-mar, as tradições populares.

A Jangada Voltou Só

Compõe também sambas-canção. Marina (...morena / Marina, você se pintou...) foi uma das mais famosas. Durante os anos 1940, torna-se grande amigo do conterrâneo Jorge Amado. Inspirado em sua obra literária, cria Modinha para Gabriela e É Doce Morrer no Mar.

Marina

Carmen havia sido responsável por levar a música de Caymmi para o mundo. A partir de 1959, um baiano toma esse papel: João Gilberto. Fã confesso de Caymmi, João grava Rosa Morena logo em seu disco de estreia. Era apenas o começo. Na fileira vieram Doralice, Você Não Sabe Amar, Acontece que Eu Sou Baiano... Parecia que as canções de Dorival haviam nascido sob o signo da bossa nova. A definição é de Caetano Veloso: "O grande esforço de modernização de João se apoiou na modernização sem esforço de Caymmi".

Doralice, com João Gilberto

Tornou-se também amigo de Tom Jobim, que exaltava sua inventividade. Para ele, Caymmi usava soluções harmônicas poucas vezes vistas antes da bossa. Ambos lançaram um disco nos anos 1960: Caymmi Visita Tom. Com direito a um magistral dueto em Saudade da Bahia: Ai, que saudade eu tenho da Bahia / Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia...

Saudade da Bahia

Queria ser um preguiçoso assim”

“Ao longo da carreira, Caymmi gravou cerca de 100 canções - pouco para tantos anos dedicados à música. Resultado: ganhou fama de preguiçoso. Negava-se a escrever sob pressão de gravadoras. Só uma vez assinou contrato, com a Odeon, em 1939. Pelo acordo, deveria gravar seis discos em dois anos. Não cumpriu. "É verdade que Caymmy compôs pouco mais de 100 músicas, mas todas são obras-primas. Quem é o compositor que pode se dar a esse luxo? Eu queira ser um preguiçoso assim”, defendeu Caetano.

É célebre a história da obra-prima João Valentão, que levou nove anos para concluir. O desfecho beira o sublime: E assim adormece este homem/ Que nunca precisa dormir pra sonhar /Porque não há sonho mais lindo / Do que sua terra, não há.

João Valentão, com Caetano Veloso

Outro caso que ilustra o ritmo de sua produção é o da música Adalgisa. Sempre mostrava a um amigo os primeiros versos (Que a Bahia tá viva ainda lá / Que a Bahia tá viva ainda lá). Ao ser questionado quando iria gravar, respondia: “Quando ficar pronta, quando ficar pronta...”. E assim foi durante anos. Até que um dia anunciou: “Terminei!”. Pegou o violão, empostou a voz e apresentou a obra completa: Com a graça de Deus, inda lá / Que a Bahia tá viva ainda lá / Que a Bahia tá viva ainda lá...

As canções rareavam ainda mais com o passar dos anos. Mas os filhos Dori, Nana e Danilo – além dos inúmeros amigos e admiradores – mantiveram a divulgação de sua obra. Em agosto do ano passado, seu coração baiano parou de bater. Homenagens em todo o País. O Brasil percebeu que perdia um compositor inigualável. E inimitável. Alguns anos antes, diante da pergunta a que creditava ter participado dos dois grandes momentos internacionais da música brasileira – a era Carmen Miranda e a bossa nova –, respondeu: “É questão de ser baiano”.

26 de janeiro de 2009

Esperando a felicidade...

Era fim da tarde de 11 de março de 1958. Mergulhado em dramas pessoais e com um enorme sentimento de solidão, o baiano de 50 anos escreveu, com sofreguidão, uma longa e detalhada carta na qual explicara a bobagem que viria a fazer. “Morro por minha vontade. Estou sentindo apenas a cruel saudade de tudo e de todos”. Assinou o papel e, sentado num banco em frente à Praia do Russel, no Rio de Janeiro, bebeu guaraná com formicida. Morreu minutos depois. E a música brasileira, no mesmo ano do nascimento da bossa nova, perdia o compositor Assis Valente.

Levara uma vida de abandono, amargura, vaidade e raro talento. São se conformava com o ostracismo que a carreira havia lhe imposto. Mas não era apenas isso. Para entender o que lhe fez chegar ao suicídio – a derradeira de três tentativas -, é necessário voltar ao começo de tudo.

O menino José de Assis Valente nasceu em 19 de março de 1908 na Bahia. A cidade natal é confusa para os biógrafos. Uns dizem que foi entre Bom Jardim e Patioba. Ele, numa entrevista ao Cine Rádio Jornal, afirmou ser de Campo da Pólvora (“por isso tenho essa pele queimada”).

O certo é que teve uma infância atribulada. Foi sequestrado ainda pequeno de casa e criado por outro casal. Eles se mudaram para Salvador e, pouco depois, para o Rio. Com um detalhe: sem ele, que ficou sozinho na capital baiana.

Virou-se como podia. Profissionalizou-se ainda jovem como especialista em prótese dentária. Mas o que queria é ser artista, se sentir pertencente a algo, receber aplausos. As primeiras atividades foram como orador de circo e desenhista de uma revista soteropolitana. Mas ainda era pouco.

Entre próteses, desenhos e sambas

Decidiu se mudar para o Rio em 1928. Logo empregou-se no gabinete de um protético. Mas gostava mesmo de desenhar, atividade que tomava suas noites, e os vendia para revistas da cidade.

Em 1932, conheceu o compositor Heitor dos Prazeres, e a história começaria a mudar. Ele se impressionou com a facilidade do baiano para compor versos, sempre intuitivos. Com o decisivo incentivo de Heitor, conseguiu no mesmo ano ter o primeiro samba gravado: Tem Francesa no Morro, pela voz de Araci Cortes.
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Logo depois faria o que considerava a sua melhor canção, criada na noite de Natal de 1932. Era Boas Festas, o maior sucesso do gênero natalino da história da música nacional. Estava sozinho em casa, triste, quando viu uma imagem de uma menina com os sapatinhos sobre a cama para esperar o presente de Papai Noel. Foi o suficiente para a canção amargurada nascer ali mesmo: Anoiteceu, o sino gemeu / E a gente ficou feliz a rezar / Papai Noel, vê se você tem / A felicidade pra você me dar / Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...
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A paixão platônica por Carmen Miranda

No mesmo ano assistiu a uma apresentação de Carmen Miranda, jovem cantora que o encantou instantaneamente. Fez de tudo para se aproximar e, após se conhecerem de fato, passou a compor canções exclusivamente para ela. Foram 24 gravações e quase todas se tornaram sucesso, como E o Mundo Não se Acabou, Recenseamento e a genial Camisa Listrada: Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí / Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu Parati...


E o Mundo Não se Acabou

Recenseamento

Camisa Listrada, por Carmen Miranda


Estava no auge da fama, sentindo-se importante e amado pelo público, quando Carmen, em 1939, decidiu se mudar para os Estados Unidos. Foi um baque. Assis sentiu-se traído, abandonado. E, pior: tinha dificuldade de compor para outras cantoras.

Daí em diante a carreira começou a decair. Novos ritmos tocavam nas rádios e sua música passava a ser considerada obsoleta. Ele não conseguia – e muitas vezes não queria - acompanhar as novidades. Emplacou alguns sucessos, como o clássico Fez Bobagem, de 1942, gravado por Araci de Almeida. Mas sem a mesma repercussão de antes. Também não teve sucesso no casamento com Nadyle da Silva Santos, que durou menos de três anos. Com ela teve sua única filha, Nara Nadyle.

Vendo a fama de longe e com dívidas quase impagáveis, tenta o suicídio duas vezes. Não para de compor, mas boa parte apenas lota a gaveta. Pouca gente quer gravar um compositor que estampa as manchetes dos jornais apenas por tentar se matar. Cada vez se afasta mais das pessoas. E aí chegou a fatídica data de 1958.

O sucesso que sempre perseguiu viria pouco depois. Não mais na voz de Carmen Miranda, mas pelas sucessivas regravações a partir dos anos 1960. Com destaque para os Novos Baianos, que transformaram Brasil Pandeiro num estrondoso sucesso nacional.

Uma das mais regravadas é o samba Alegria, um marco na carreira e, sobretudo, uma das mais elaboradas sínteses da sua existência. Uma vida na qual a dor e o prazer coexistiram numa eterna busca por um sentimento que nunca alcançaria: Esperando a felicidade / Para ver se eu vou melhorar / Vou cantando, fingindo alegria / Para a humanidade não me ver chorar.
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