4 de agosto de 2009

O vulcão Tim Maia

Capaz de gestos nobres e de brigas homéricas, Tim Maia não era um sujeito fácil de lidar. É o pai da soul music brasileira, e apresentou ao País uma sonoridade jamais ouvida por estas terras. Era perfeccionista, e levava à loucura os músicos e os técnicos de som, que não conseguiam acompanhar a sua genialidade musical. Faltava a shows, xingava a plateia, entrava em seitas malucas. O Brasil, em resposta, só conseguiu amá-lo. Com razão.

Ele mesmo se definia: “Sou o gordinho mais simpático da Tijuca”. E, para muitos, tornaria-se o gordinho mais simpático do Brasil. E ia além: o mais talentoso, o mais generoso, mas também o mais briguento, o mais explosivo, o mais corrosivo, o mais auto-destrutivo. O senso-comum não seria capaz de compreender o vulcão Tim Maia.

Sebastião Rodrigues Maia nasceu em 28 de setembro de 1942 numa numerosa e religiosa família de 12 filhos do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro – chegou a ser, a contragosto, coroinha da paróquia local. Caçula, era o mais paparicado de todos. Foi o único a ganhar uma bicicleta quando completou 12 anos.

Mas o que lhe interessava desde cedo era a música, inspirado no rock norte-americano que ouvia no rádio: Elvis Presley, Little Richard, Chuck Berry. Criou bandas, e todas acabaram por brigas durante os ensaios. Não era fácil acompanhar o temperamento e o perfeccionismo de Tião.

Em 1957 formou um quarteto, O Sputnik. Chamou dois amigos próximos. Para completar, um dos amigos lhe apresentou um capixaba que, diziam, cantava bem: Roberto Carlos.

O grupo conseguiu se apresentar no programa Clube do Rock, da TV Tupi, comandado por Carlos Imperial. Não passaria daí. Nos bastidores, Roberto disse a Imperial que sabia imitar Elvis, e Tião – numa mistura de raiva e boa dose de ciúme – não gostou nada daquilo. E O Sputinik acabava antes de alçar voo. Ainda conseguiu receber um conselho de Imperial: “Mude seu nome para Tim”.

O pai do soul brasileiro

Em 1959, com 12 dólares no bolso, decidiu se mandar para os Estados Unidos. Lá ganhou intimidade com a música negra americana, formou a banda The Ideals, trabalhou até como babá e experimentou maconha pela primeira vez. Também foi preso por roubar um carro para viajar pelo país. Voltou em 1964, já com as ideias bem definidas sobre a soul music.

Em terras brasileiras, gravou um compacto com músicas em inglês, e a repercussão foi parecida com nada. Os ouvidos ainda não estavam preparados para a novidade. Numa apresentação, se juntou à turma da Jovem Guarda. As garotas, acostumadas com as baladinhas dos rapazes brancos de boa-família, se assustaram com a figura mal-encarada que surgia no palco. Ainda mais cantando em inglês. Aplausos xoxos, que seriam substituídos por gritos histéricos ao ser anunciada a próxima atração, Erasmo Carlos. Tim, sabedor do seu talento, chorou no banheiro.

Ele também tinha grande complexo pela sua aparência física. Em 1968 hospedou-se na casa de dois amigos, um músico, outro empresário. Eles eram boa-pinta, e os brotos não saiam de lá. Todas para eles, nenhuma para Tim, que ouvia, triste, a diversão alheia pela parede do quarto. Numa ocasião, quase chorando, compos a sua melhor música: Ah! Se o mundo inteiro / Me pudesse ouvir / Tenho muito pra contar / Dizer que aprendi / E na vida a gente / Tem que entender / Que um nasce pra sofrer / Enquanto o outro ri. “Mermão! Tu acabou de fazer a música da tua vida”, comemorou um desses amigos.

As coisas começariam a mudar quando Roberto lhe pediu uma música mais cafajeste, mais soul, sem se assemelhar às baladinhas da Jovem Guarda. E nasceu Não Vou Ficar: Há muito tempo eu ouvi calado / Mas agora resolvi falar / Não tem mais jeito, tudo está desfeito / E com você não posso mais ficar, não. Na mosca.

Também entrou em estúdios com Elis Regina. E, em 1970, lançou o primeiro elepê solo. A música João Coragem entrou na novela homônima, da TV Globo. E o soul começava a cair no gosto popular.

Na esteira vieram mais três discos, com sucessos como Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar) e Gostava Tanto de Você. Até que uma seita cruzou o seu caminho.

Universo em desencanto

Em 1975 Tim folheou, à toa, um livro que estava sobre a mesa de um amigo. Ficou maluco sobre as coisas que estavam escritas. Anunciou que tinha descoberto toda a verdade sobre a existência. “Nós somos originários de um planeta distante e perfeitos e estamos na Terra exilados”. Era parte da doutrina do Universo em Desencanto.

A seita, comandada por seu Manoel Jacintho, pregava que os adeptos não podiam beber, usar drogas, comer carne vermelha e fazer sexo sem ser para procriação. Também tinham que se vestir apenas de branco. De preferência com uma camiseta que trazia o logotipo da seita, que representa uma porta aberta para o infinito. Tim mandou que até os instrumentos fossem pintados de branco. Só se salvaram as teclas pretas do piano.

Nessa viagem, surgiram dois discos que propagavam o ideal racional. E dá-lhe exortar os ouvintes a ler o tal livro da seita. Na música Bom Senso, explica: Já senti saudade / Já fiz muita coisa errada / Já dormi na rua / Já pedi ajuda / Mas lendo atingi bom senso / A imunização racional. Numa certa manhã, cansou-se de tudo aquilo e espalhou para todos que Jacintho era um picareta. Tim voltava ao normal. Ao seu normal.

O amável encrenqueiro

Durante os anos 1980 e 1990 surgiram vários sucessos, como Descobridor dos Sete Mares, Me Dê Motivos e Do Leme ao Pontal. Ao mesmo tempo reforçava a fama de temperamental, de faltar a shows e de brigar com gravadoras, músicos e desesperados técnicos de som. Não poupava nem a plateia, e vez ou outra soltava impropérios aos fãs que o vaiavam por demorar a começar algum show. Nada que fizesse ser menos admirado. Em 1993, reuniu o maior público da história do Circo Voador.

Ao mesmo tempo era capaz de gestos de extrema sensibilidade. Ele, de tempos em tempos, costumava abrir sua casa para receber dezenas de meninos residentes em orfanatos. E brincava mais do que as crianças.

Era respeitado por craques da música. Só de Caetano Veloso há duas canções que fazem referência a Tim: Podres Poderes e Eclipse Oculto: Quero ser seu amor / Quero ser seu amigo / Quero que tudo saia / Como som de Tim Maia... Já para Jorge Ben, o artista era “o síndico” do Brasil.

Em 8 de março de 1998 subiu ao palco do Teatro Municipal de Niterói para mais uma apresentação. Tentou cantar, mas não conseguiu sair dos primeiros versos de Não Quero Dinheiro, e se retirou do palco. O público achou que era mais uma malcriação, e começou a vair. Não era. Minutos depois verificou-se que ele tinha sofrido uma crise de hipertensão, uma embolia pulmonar e uma parada cardiorespiratória. Foi internado no Hospital Antônio Pedro. Não resistiria. E, em 15 de março de 1998, o pulsante coração de Tim parou de pulsar.