18 de fevereiro de 2011

Noel só precisou de seis palavras para traduzir a nossa língua

Por Natália Pesciotta
Foi o cinema falado chegar no Brasil, no começo dos anos 1930, para os termos norte-americanos entrarem no vocabulário brasileiro. Atento à invasão de hellos e byebyes da nova potência mundial, Noel Rosa criou uma de suas obras-primas: O cinema falado é o grande culpado da transformação / Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez / (…) Amor lá no morro é amor pra chuchu / As rimas do samba não são I love you / E esse negócio de alô boy, alô Johnny / Só pode ser conversa de telefone.

O samba Não Tem Tradução criticava os estrangeirismos em nossa língua, e acabou atingindo o compositor Jurandyr Santos. Autor de Alô John e Bon Soir, o músico publicou carta aberta para Noel no jornal: “Você foi impiedoso. Não pôde, sequer, sopitar a revolta do seu espírito erudito, amigo das expressões castiças puras, e compôs Sem Tradução para esmagar seu pobre amigo”.

Se desagradou Jurandyr, entusiasmou Orestes Barbosa, um xenófobo de primeira. Ele vivia a escrever na imprensa contra  a falta de preocupação do povo com a cultura nacional e a invasão estrangeira na língua portuguesa. Entendia por estrangeirismo até o português de Portugal.

Referindo-se ao verso “É brasileiro, já passou de português”, exclamou: “Esse sem-queixo é demais. Um gênio! A gente aqui escrevendo, escrevendo, e ele resume tudo em meia dúzia de palavras. Exatamente meia dúzia!” E completou, emocionado: “Eu trocaria toda a minha obra por um só verso deste samba”.

7 de fevereiro de 2011

Com duas músicas, João Gilberto uniu a bossa nova

Festa na casa da família Menescal, Rio de Janeiro, 1957. Champanhe e rodas de bate-papo rolam na sala quando se ouve a campainha. Pensando tratar-se de mais um convidado, o jovem Roberto Menescal, então com 19 anos, atende a porta. Depara-se com um completo desconhecido: “Você tem um violão aí? Podíamos tocar alguma coisa.” O rapaz ficou sem reação, e o sujeito completou: “Eu sou João Gilberto. Quem me deu seu endereço foi seu professor de violão.”

Menescal, então um violonista promissor, já tinha ouvido falar do baiano “meio louco, genial, afinadíssimo”. Convidou-o para o quarto do fundo. Postado num canto, João empunhou o instrumento e fez soar os primeiros acordes. Até que soltou a voz: É amor / hô-bá-lá-lá...

O dono da casa ficou em estado de êxtase. Achou espetacular a maneira como a mão direita passeava pelas cordas. E a capacidade vocal, então? A voz soava como instrumento de alta precisão, ao mesmo tempo em que o canto surgia suave, natural, quase falado. Sem os pais perceberem, pegou João pelo braço e levou-o para conhecer Ronaldo Bôscoli, um de seus parceiros musicais. Mais apresentações, agora com a inclusão de Bim-Bom. Outro jovem boquiaberto. Segundo Ruy Castro em Chega de Saudade, o grupo varou a madrugada - inclusive no famoso apartamento de Nara Leão - e parte do dia seguinte de casa em casa. Ninguém dormiu.

Naquele momento começava a se formar o que seria conhecida como “a turma bossa nova”, todos seguidores desse novo mestre. Um ano depois, com a gravação do LPChega de Saudade, era a vez de o mundo todo conhecer a genialidade de João Gilberto.