17 de julho de 2008

Clube de fidelidade

Meus queridos dois leitores. Vocês, como portadores da carteirinha Eu Quero um Samba: Sou Vip, têm um mundo de vantagens. E, pra estrear essa nova jogada de marketing, colocarei um especial que será publicado apenas na edição de agosto da revista Almanaque Brasil.

Só minha dupla de leitores VIP preferida pode ler antes (mas não esqueça de pagar a mensalidade em dia).


O ritmo em pessoa
Por Bruno Hoffmann

A, E, I, O, U, Ypsilone... Foi assim que o nordestino, pobre e semi-analfabeto Jackson do Pandeiro se lançou para o Brasil. Sucesso instantâneo, Sebastiana deixou boquiaberto o público, que possivelmente pensou em uníssono: "De onde vem tanto ritmo?". A resposta é difícil, tal qual sua vida. Mas há suspeitas: vem da Paraíba, de sua mãe, de ex-quilombolas, do inexplicável.

Nem os executivos da gravadora Copacabana conseguiram acreditar. A estréia fonográfica de um nordestino até então desconhecido, em um disco de 78 rotações, alcançou a vendagem de 50 mil cópias naquele verão de 1953. Mais do que o dobro de sua estrela principal, a popularíssima Ângela Maria. O nordestino em questão, Jackson do Pandeiro, estourou em vendas com Sebastiana, de Rosil Cavalcanti, e Forró em Limoeiro, de Edgar Ferreira. Seu estilo único de cantar, tocar e se apresentar - mistura de samba, coco, baião e forró; cheio de síncope e sofisticada divisão ritmíca - impressionou o público. Enfim, começava a conquistar o "sul-maravilha", que logou colocou sobre a novidade a alcunha de "o rei do ritmo".

Ninguém poderia vislumbrar esse futuro em 31 de agosto de 1919, quando nasceu na cidade de Alagoa Grande, agreste paraibano. Primeiro filho do oleiro (fazedor de tijolos) José Gomes e de Flora Maria da Conceição, José Gomes Filho chegou ao mundo em situação de extrema pobreza. Mas não musical. A mãe, conhecida como Flora Mourão, era uma respeitada cantora de coco da região. Dela receberia as primeiras aulas ritmícas. E seriam as únicas que freqüentaria na infância. "Jack", como Flora o chamava por sua suposta semelhança com Jack Perry - ator norte-americano de western dos anos 1930 - nunca estudou em escola regular. Foi semi-analfabeto por toda a vida.

Entre cocos e foxtrotes

Jackson receberia outras influências musicais na cidade-natal. Graças ao desenvolvimento da região, motivado principalmente pelos engenhos de açúcar, o município passou por um momento de importante expansão cultural. Havia escolas de música, quatro blocos carnavalescos e um teatro que abrigava refinados saraus. Também havia a Bandinha de Caiana, formada por integrantes da comunidade de Caiana dos Crioulos, ex-quilombolos que vivam nas cercanias da cidade. Suas apresentações se caracterizavam pelo sincretismo musical. Misturavam ritmos herdados dos antepassados com modismos da época, como a rumba e o foxtrote. Destacavam-se ainda pelo vestuário cheio de cores fortes: vermelho, amarelo-ouro, rosa-choque. As referências musicais e estéticas do pequeno Jack iam tomando forma.

No início dos anos 1950, após decidir pela música como profissão, Jackson partiu para Recife. Na cidade conheceu a cantora e dançaria de rumba Almira Castilho, com quem formou uma dupla - de música e de fato. Casaram-se em 1953. Nas apresentações, formavam uma unidade: ela, com danças envolventes e sensuais; ele, sendo Jackson do Pandeiro.

Toda essa cena era envolvida com roupas coloridas e alegres, tal qual às dos quilombolas de sua infância. O sucesso veio com óbvia naturalidade. Primeiro no Norte e Nordeste; depois, em todo o País, com a gravação do primeiro disco pela Copacabana.


A ordem é samba

Após indas-e-vindas para apresentações no Sudeste, Jackson e Almira se mudaram definitivamente para o Rio em 1955. Gravaram no mesmo ano o álbum Sua Majestade - O Rei do Ritmo, que contém músicas como Canto da Ema (Alventino Cavalcante, Ayres Viana e João do Vale) e A Mulher do Aníbal (Nestor de Paula e Genival Macedo). Também atuaram em diversos filmes populares.

No carnaval, gravava frevos e marchinhas. No meio do ano, forrós, cocos e xaxados. E os sucessos foram se somando. No auge da carreira, gravou canções que posteriormente receberiam a voz de importantes nomes da música popular, como Chiclete com Banana (Gordurinha e José Gomes) e Cantiga do Sapo (Jackson do Pandeiro e Buco do Pandeiro). Na esteira veio também A Ordem é Samba (Jackson do Pandeiro e Severino Ramos), uma espécie de "canção-protesto" contra a mania do público carioca de só querer saber de samba. E de samba ele também entendia: É samba que eles querem?/ Eu tenho/ É samba que eles querem? / Lá vai / É samba que eles querem? / Eu canto/ É samba que eles querem / Nada mais.

Obra viva

Com a efervescência cultural dos anos 1960, Jackson foi paulatinamente perdendo espaço para a Tropicália, para a Jovem Guarda, para a dita MPB. As apresentações rareavam. O casamento também não andava bem. Separou-se de Almira em 1967. No mesmo ano conheceu a adolescente Neuza Flores dos Anjos, com quem se casou.

Nos anos 1970, seus sucessos foram regravados por artistas como Novos Baianos e Gilberto Gil. Também lançou discos com canções inéditas, mas suas novidades já não atraíam tanta atenção. Em 1981, após passar mal depois de um show em Brasília, morreu aos 62 anos, em decorrência de embolia pulmonar e cerebral.

Sua obra, no entanto, permanece viva. Seja entoada em qualquer forró que se preze; seja reavivada por sucessivas novas gerações de artistas brasileiros.

10 de julho de 2008

Você sabia?

Dez notas curtinhas sobre samba.
O amor de nove sambas
Noel Rosa compôs nove sambas para Ceci, a dançarina de cabaré que foi o grande amor de sua vida. São eles A Dama do Cabaré, O Maior Castigo que te Dou, Deixa de Ser Convencida, Quantos Beijos, Pela Décima Vez, Quem Ri melhor É quem Ri no Fim, Pela Primeira Vez na Vida, Pra que Mentir?, Ilustre Visita e Último Desejo. As canções, autobiográficas, são todas em primeira pessoa.
O primeiro
A primeira canção de Noel para Ceci foi A Dama do Cabaré. O cabaré citado, no qual Ceci trabalhava, se chamava Apolo.
A briga de nove sambas
A briga entre Noel Rosa e Wilson Batista também rendeu nove músicas. Por Wilson foram compostas Lenço no Pescoço, Mocinho da Vila, Conversa Fiada, Frankstein da Vila e Terra de Cego. Já Noel escreveu Rapaz Folgado, Feitiço da Vila, Palpite Infeliz e João Ninguém.
Os adversários se unem
A única parceria entre ambos é em Deixa de Ser Convencida. Deu-se logo após Wilson ter composto o samba de mau-gosto Frankstein da Vila. Eles se encontraram em um bar da Lapa, brincaram sobre a música e Wilson disse: “Noel, tenho mais uma aqui pra você”, e cantou Terra de Cego. Noel gostou da melodia e sugeriu que se fizesse uma nova letra para ela. Em poucas horas, estava pronta Deixa de Ser Convencida, uma mensagem a Ceci.
Bela resposta
Wilson Batista, em entrevista a uma rádio em 1951, tentou explicar o inexplicável: o porquê de ter escrito Frankstein da Vila. E se saiu bem. “Noel era homem. E não há mal algum em chamar homem de feio”, disse.
Lá na Penha vou levar minha morena pra sambar...
Ao contrário do que se pensa, não foi a Vila Isabel o bairro mais exaltado por Noel. O mais mencionado por ele – em oito canções – é a Penha.
Joãozinho faz samba
João Gilberto, considerado o precursor da Bossa Nova, recusa o título. “Eu faço samba”, afirma.
O presente de Cyro deu resultado
Chico Buarque compôs a música Receita para Virar Casaca de Neném para responder a Cyro Monteiro, que tinha como hábito enviar uma camisa do Flamengo aos filhos recém-nascidos de amigos. Na canção, o tricolor Chico afirma que de nada adiantaria, pois ele mudaria as cores da camisa, inverteria o listrado no peito e “nasceria desse jeito uma outra tricolor”. Mera ilusão. Silvia Buarque (o neném de então) se tornou rubro-negra.
Quanto custa?
Um dos sambas mais famosos da história, A Flor e o Espinho, é assinado por Nelson Cavaquinho, Guilherme de Britto e Alcides Caminha. Este último, na verdade, não fez nada na música. A comprou de Nelson, pratica freqüente do sambista. E o freguês tinha um pseudônimo, Carlos Zéfiro. Com este nome publicava histórias pornográficas ilustradas (conhecidas como catecismos), que se tornaram cults. Algumas de suas ilustrações estão na capa do disco Barulhinho Bom, de Marisa Monte.
Sem mancada não tem samba
O Arnesto, da música O Samba do Arnesto, existiu (aliás, existe, e está com 93 anos). Chama-se Ernesto Paurelli e vive no bairro da Mooca. Porém, quando se tornou amigo de Adoniran Barbosa, morava no Brás. Por gostar da sonoridade de seu nome, o compositor disse que um dia ainda faria um samba para ele. E, alguns anos depois, o “Arnesto” ouviu a canção no rádio. Ficou emocionado. Só uma coisa o incomodava: as piadinhas que ouvia toda hora, pela fama de ser alguém que “dá bolo” (a situação descrita no samba nunca existiu). Comentou o incômodo a Adoniran, que respondeu: “Se não tem mancada não tem samba, Arnesto”.
Pra fazer as pazes
Foi um Rio que Passou na minha Vida, samba de Paulinho da Viola de exaltação à Portela, nasceu por causa da Mangueira. Ao menos indiretamente. É que o compositor tinha sido parceiro de Hermínio Bello de Carvalho em Sei Lá, Mangueira, causando mal-estar na Portela. Para se redimir, então, compôs a música. E tudo ficou em paz.