24 de dezembro de 2007

O jovem executivo do futebol

Pasquale Cipro Neto afirmou outro dia em seu programa semanal na rádio Cultura: “Vivemos um dos períodos de juventude mais careta da história”, e enfatizou: “Careta de doer”. Chico Buarque, no filme sobre Vinícius de Moraes, disse que não imaginava o poeta vivendo no mundo atual, pois ele era um “desvairado” e a sociedade está extremamente pragmática, e sentenciou: “Vivemos a vitória do consumismo”. Na semana passada Kaká foi eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa. E comprovou, no campo futebolístico, as afirmações do professor e do compositor.
O status quo força as pessoas, de qualquer atividade, a serem pragmáticas. Sem perda de tempo, sem criatividade desnecessária, sem atitudes polêmicas. E é exatamente esta a figura do camisa 22 do Milan e o maior símbolo esportivo brasileiro deste way of life. Bom menino, evangélico, objetivo, ótima relação custo-benefício a seu empregador e fiel pagador de seus impostos. No mundo corporativo, seria definido como “jovem executivo, dinâmico e pró-ativo”, como as empresas tentam enquadrar (ou idiotizar) seus funcionários.
Enquanto isso, verdadeiros gênios do futebol, como Alex (do Fenerbahçe), Messi (Barcelona), Cristiano Ronaldo (Manchester) e Valdívia (Palmeiras) são colocados em segundo plano. Estes, certamente, não passariam em dinâmicas de grupo de empresas.

Arena multiuso?

Outra coisa irritante é a nova moda de usar o termo “arena multiuso”. O Atlético-PR diz que já tem e o Palmeiras promete construir a sua. Sendo claro: arena multiuso não passa de um estádio com lojinhas. É desnecessário esse nome tão moderno quanto imbecil. Enfiam essa linguagem rebuscada goela abaixo, e em poucos minutos o povo sai repetindo igual papagaio: “Também quero uma arena multiuso”. Estádio é estádio, como nos bons tempos em que futebol era futebol. Só espero que não adotem como oficial a terminologia “soccer”. Do jeito que as coisas estão, não é nada impossível.

30 de novembro de 2007

Samba do grande amor

Muitas sensações vêm ao peito. Poucas permanecem. Apenas a angústia se acomodou, com toda a tranqüilidade, e neste momento está lendo jornal no melhor sofá da alma preta-e-branca. Faltam dois dias para o jogo decisivo. “Pára, isto é só futebol”, exclamam alguns desavisados. Não, não é só futebol. Isto é Corinthians. O time do povo. E, tal qual o povo, cheio de imperfeições. Ingênuo, maltratado, enganado e sofrido. E só peço que domingo esse sentimento deixe em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa.

Por falar em pote até aqui de mágoa, me lembro de algumas músicas do Chico (afinal, este é um blog musical; por força das circunstâncias o Corinthians se fez presente). Ele cantou para o povo, cantou para a massa, cantou para amenizar desesperos, cantou a favor dos injustiçados, cantou para alentar esperanças. E, agora, nenhum outro grupo social se enquadra mais neste perfil do que a torcida corintiana. Há pouco começou a tocar “Cordão” no rádio. No campo da idealização, imagino a torcida, como numa corrente, cantando no Estádio Olímpico antes da partida: “Eu não vou desesperar/ Eu não vou renunciar/ Fugir/ Ninguém/ Ninguém vai me acorrentar/ Enquanto eu puder cantar/ Enquanto eu puder sorrir/ Ninguém/ Ninguém vai me ver sofrer/ Ninguém vai me surpreender/ Na noite da solidão/ Pois quem tiver nada pra perder/ Vai formar comigo o imenso cordão”.

E que esse cordão contagie os jogadores. Que a bola estufe a rede de Sajas. Que o Felipe continue sendo o Felipe. Que o Vampeta tenha nascido quatro anos a mais do que em sua certidão. Que Lulinha seja um jogador de R$ 50 milhões. Que Dualibs e Kias da vida, que inventaram de inventar toda a escuridão, sejam esquecidos. Que os jogadores tenham precisão de flecha e folha seca. Vamos, Corinthians. Domingo, coincidentemente o dia nacional do samba, é a hora da minha gente sofrida ver a banda passar cantando coisas de amor. Um samba do grande amor.

12 de novembro de 2007

Obrigado, Iran

Pênalti infantil. Não, não é o momento de agir como criança dentro da área. Foi querer afastar o perigo numa bicicleta espalhafatosa, quase acertou o rosto do adversário e... o juiz está apontado para o cal fatal. Faltam duas rodadas. São 30 da segunda etapa. O Corinthians vai voltar à zona de rebaixamento. Não, não é o momento.

Enquanto o lateral-direito trapalhão está se sentindo culpado, como se pensasse: “Por que escolhi ser jogador de futebol? Não queria ser o culpado pela tristeza de tanta gente”, o zagueiro e capitão é a imagem da desolação. Mãos no rosto, cara de choro. Os jogadores sentem o peso da cobrança enquanto o juiz os retira da área para a cobrança.

Estou sem ar. Vislumbro o sofrimento para as próximas duas rodadas derradeiras. “Estaremos um ponto atrás”, penso. “E agora?”. Não há solução. Não há saída. O futebol me dará essa tristeza. Eu, num canto da sala, espero pela definição do lance. O jogador adversário, famoso por ser bom nas bolas paradas, corre para a cobrança. Meu coração corintiano bate no mesmo compasso da sua corrida.

Bateu! Eu, que há pouco estava olhando para baixo, arregalo os olhos. A bola parte forte. Segue rasteira para o canto esquerdo. A famosa “cobrança indefensável”, como adoram analisar os comentaristas esportivos. Prevejo a rede estufando, o que murcharia 80% das minhas esperanças. Alias, caso estufe, terei que passar a ser bom em matemática. Só com equações complexas poderia encontrar a saída.

Não estufou! O goleiro salta mais do que a matemática poderia supor. Chega no momento exato de, com a ponta das unhas, desviar a bola para a linha de fundo. A torcida explode. O goleiro começa a pular, como se tivera feito um gol. Por um segundo, para mim, o mundo é perfeito.

A equipe continua na berlinda. Caso não seja competente nas próximas rodadas, ainda pode cair. Mas, neste momento, apenas sinto que é muito bom ser corintiano. E agradeço ao Iran – o tal lateral-direito trapalhão – por ter me feito sentir tantas emoções em menos de um minuto. Obrigado.

8 de outubro de 2007

Três letras, todas as emoções

A angustia. A raiva subterrânea. A alegria. O orgulho. O medo. A felicidade efêmera. O desprezo. A tristeza. A dor. O prazer. Por menos de um segundo, todas as emoções cabem num mesmo monossílabo: o da palavra GOL.

Obrigado, futebol.

5 de outubro de 2007

Cassação em Brasília!

O governador do Distrito Federal, Roberto Arruda (DEM), proibiu, na semana passada, o uso do gerúndio entre os funcionários públicos. O decreto afirma: “fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal (...) Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA” (assim mesmo, com direito a “Gerúndio” e “INEFICIÊNCIA” em maiúsculas).

Ironicamente, é compreensível e ridícula a medida de Arruda. Compreensível porque o mau uso do gerúndio é motivo de “assassinato por justa causa”, tal irritação que causa. Ridícula porque, se os funcionários obedecerem literalmente ao decreto, haverá diálogos do tipo:

- Onde está o Alberto?
- Está a almoçar.

- Termina logo o relatório.
- Estou a terminar, pô!

- O que você está a fazer?
- Estou a encaminhar os documentos para a Câmara. O motoboy está a ir neste minuto.

A melhor definição para o caso foi dada pelo UOL Tablóide, ao escrever “o manifesto” do gerúndio contra a demissão. “Os assessores de meu ex-patrão estariam sempre ‘fazendo, providenciando, estudando, preparando, encaminhando’, mas nunca concluindo. Aí, em vez de estar demitindo os assessores, o demitido fui eu”. Injustiça. O gerúndio é um recurso lingüístico como qualquer outro. O decreto deveria somente determinar que o usasse com correção. Sem estar inventando.

2 de outubro de 2007

Quinze anos dessa noite

Dois malandros que se acham "muito espertos" -considerando que os "mais inteligentes" mesmo têm advogados para não ficar presos- brigam pelo espaço de um varal no pátio de uma cadeia superlotada de bandidos pobres.
É ridículo, mas é só uma cueca o que um deles quer pendurar para secar. E, folgando, vai enfiando o troço... Acontece que há tanta roupa pra arranjar pro domingo que se avizinha que o vizinho resolve não deixar. E joga o treco no chão.
Os dois discutem. Todos estão agitados para ficar bonitos. Há mulheres para receber, filhos para beijar, alguns lances para acertar e mesmo falar de outras coisas, que de más intenções o lugar esteve cheio a semana toda.
Aquela besteira entre eles não vai acabar bem, mas ainda é cedo para saber. Por enquanto são os dois que se partem nas pernadas.
Logo os outros que se chutavam no campo de futebol juntam-se a eles, no que são seguidos por muitos outros, curiosos e torcedores de ver até onde o circo ia queimar. Todos vão se danar neste inferno, mas estão acostumados a lidar com a vida assim, do jeito que as suas vidas lidaram com eles.
Os guardas, protegidos pelos muros e cancelas, se assustam com o tamanho da balbúrdia. As feras soltas são muitas e nem estão domesticadas! Resolvessem virar bichos, não haveria grade ou guarda penitenciária para conter a sua fúria sanguinária!
Por isso os funcionários chamam a polícia detestada pela maioria daqueles outros lá de baixo, onde a briga degenera em bandalheira, como a guerra fratricida da realidade brasileira.Chegam os assessores engravatados e telefonemas atrapalhados são disparados até atingirem os maiores líderes dentre eles, que estão ocupados com tudo num dia de eleição, menos com aqueles que não votam, não se elegem e, no máximo, representam os milhões que votarão com o estômago e o intestino.
É uma porcaria mesmo. Esse era o valor da vida então...Aqui não é diferente agora, mas o acerto de contas, naquela hora, sai do varal do quintal e contagia dentro da "Casa", invadindo o pavilhão, as alas e as celas onde os "reeducandos" deveriam repousar e aprender.
São capazes de aprender a apanhar! E o pau segue comendo como se fosse a coisa mais natural do mundo em que nasceram.O mais burro -ou seria apenas ingênuo demais de não imaginar o que mais poderia acontecer?- ainda se tranca e dá a chave ao carcereiro! Disse que "iriam resolver a coisa entre eles", como se houvesse assunto privado na latrina em que se encontravam.Não há reféns, nem bandidos armados, mas os coturnos dos homens blindados são ouvidos.
Estão prestes a serem servidos...
O banquete será longo, seco e obscuro.
A luz foi cortada. A água que sobrou está minando na parede como se mandasse um recado aos experientes, mas parece que só mesmo os insanos conseguem dar ouvidos às súplicas dos inocentes.
As súplicas serão caladas na porrada.
Há baionetas improvisadas, facas e estiletes para serem arremessados e espetados uns nos outros, que essa convivência nunca foi fácil para ninguém.
De um lado estão mais de três centenas e meia de agentes da lei com carteira assinada por salários suicidas; do outro, mais de mil iletrados desempregados que tiveram o azar de nascer no lugar errado ou terem se desencaminhado na insatisfação mesquinha dos seus desejos.
Mesquinharia, de todo modo, ainda está por vir... Porque apesar de ninguém ter nada a perder, resolveram deixar a sanha da morte pegar tudo o que pudesse ganhar, numas rajadas de ignorância que fizeram as escolas e bibliotecas da região fecharem de vergonha da civilização que defendem em seus livros!
Todos puderam ouvir os gritos que os cachorros deram, bem como os latidos dos homens que ajudavam, ganindo desesperados pelos corredores.
Foram 111 os presuntos desossados ao fim de tudo, segundo as autoridades. "Eram mais de 400", segundo alguns malucos miseráveis que asseguraram ter visto cadáveres como eles arremessados no lixo!
As cadeias de TV ficaram agitadas para o deleite da insegurança.
Algumas cabeças foram cortadas e assessores perderam o emprego, mas ganharam imunidades e aposentadoria... Ainda hoje são condecorados por bravura. Policiais, é claro. Quanto aos 111 empilhados do outro lado e que exalam há 15 anos nesta longa noite dos paulistanos, o Estado tapa o nariz, a justiça os olhos e o cidadão dorme o sono que merece...
E ai de quem discordar, não é mesmo?

Fernando Bonassi, Folha de S. Paulo, 2/10/2007.

25 de setembro de 2007

Surpreendentemente comum

Quando soube, de manhã, quem seria o entrevistado do programa Roda Viva (da Cultura), fiquei empolgado. Era Mano Brown, líder de um grupo que é uma ilha de autenticidade entre o marasmo artístico. Genial, corajoso, diferenciado em diversos aspectos. Tinha certeza de que seria uma noite histórica. Pois bem, assisti ao programa. E me decepcionei.

A decepção maior foi com os entrevistadores. Perguntas genéricas e preguiçosas. Ecoavam de duas formas: ou demonstravam mal conhecer o entrevistado, com perguntas vazias como “qual é a solução para a violência?”, ou queriam agradar o rapper. Ao ponto de Mano Brown mostrar surpresa: “Já assisti várias vezes ao programa e sempre ‘batiam’ forte no entrevistado. Hoje estão pegando muito leve”.

Mas o entrevistado também não estava bem. Não se mostrava nem o radical de antigamente e tampouco tinha uma atitude serena. Soou comum. E, ao se tratar de Mano Brown, soar comum é bem surpreendente.

O que salvou a entrevista – por mandar pra muito longe o lugar-comum- foi uma resposta sobre como o rapper lida com seus filhos. Ele estava falando que não conheceu o pai. O jornalista Paulo Markun, mediador do programa, então perguntou: “Você tenta compensar essa falta sendo um pai presente pros seus filhos, né?! Você é um pai presente?”. Até por estímulo, a tendência era receber uma resposta positiva. Com olhar e voz firmes, Brown respondeu: “Não, sou ausente”. Houve dois segundos de silêncio no estúdio.
Excetuando essa resposta, infelizmente, foi uma noite comum. Inacreditavelmente comum.

21 de setembro de 2007

Dia histórico

Pausa musical momentânea.
Hoje, 21 de setembro de 2007, foi dada a notícia de que há um ditador a menos no poder.

Dia de festa. E de alívio.

20 de setembro de 2007

Os 10 mais (continuação)

5º - Nelson Cavaquinho



Quando aquela voz característica começa a ecoar, é impossível não saber de quem se trata. O canto rascante, rouco e amargurado é o retrato fiel da obra de Nelson Cavaquinho. Dadas a desilusões amorosas e desesperança na vida, suas canções são sem paralelo na história da música popular. De uma simplicidade musical – e de vida – impressionante. Nelson era craque da boêmia. Do desapego material. Do medo e da alegria. Dos sentimentos nobres e baixos. Para ser sincero, é difícil falar sobre o compositor. Possivelmente é o personagem mais complexo da nossa música. Há muito de desconhecido no subterrâneo daquele olhar profundo e carismático.

Medo da velhice e, conseqüentemente, da morte, é constante em suas músicas. Os versos que registram essa temática são vastos: “Quando o tempo avisar/ Que eu não posso mais cantar/ Sei que vou sentir saudade/ Ao lado do meu violão/ Da minha mocidade” (Folhas Secas); "Sei que estou/ No último degrau da vida, meu amor/ Já estou envelhecido, acabado/ Por isso muito eu tenho chorado" (Degraus da Vida); "Sempre só/ E a vida vai seguindo assim/ Não tenho quem tem dó de mim/ Estou chegando ao fim" (Luz Negra); "O meu pecado foi querer na minha mocidade/ Amar muitas mulheres/ O tempo já passou/ Eu sinto saudade" (O Meu Pecado).

Teve seu momento de criação mais intensa quando se juntou a Guilherme de Brito. Um tipo totalmente contrário a Nelson. Casado com uma única mulher a vida inteira, fiel, pouco dado a boêmias. Desta parceria inusitada, nasceu o verso mais bonito da história musical, feita pelo Guilherme. A famosa “Tire seu sorriso do caminho que quero passar com a minha dor”, de A Flor e o Espinho.

Mas há um outro verso, impressionantemente irônico, triste e exato, que sintetiza sua vida: “Feliz daquele que sabe sofrer”, da música Rugas. Por estas linhas, podemos suspeitar que Nelson, afinal, era uma pessoa feliz. À sua maneira.

24 de agosto de 2007

Os 10 mais

Rankings são bacanas. Ajudam a organizar o pensamento e dar reforço visual ao que se quer expor. Portanto, crio o ranking dos melhores – ou dos que mais me emocionam, pelo menos - músicos brasileiros da história. Eis a lista definitiva:

1º - Chico Buarque

Millôr Fernandes disse no fim dos anos 1960: “Chico é a única unanimidade nacional”. E, contrariando Nélson Rodrigues, proferiu a frase de forma positiva. E é o caso. É raro encontrar alguém que, categoricamente, afirme não gostar do compositor carioca. E conquistou essa popularidade sem nunca cair no popularesco. Sem abrir concessões à sua arte. Escreve sobre situações comuns com um talento sobre-humano. Há um lirismo absurdamente forte, sarcasmo impressionante, junção de palavras sem paralelo. Todos esses elementos vêm com ausência de afetação ou demagogia. Simplicidade genial. Além de ser a única personalidade que nunca falou uma besteira grande em público (na verdade, nem pequena).

2º - Noel Rosa

O compositor é a figura mais importante para a popularização da forma urbana de se fazer samba. Viveu apenas 27 anos e, neste período, criou sambas antológicos nos quais se agrupavam vários temas. Sarcasmo, ironia, protesto, dramas amorosos. As músicas compostas para a briga com Wilson Batista (Rapaz Folgado, Palpite Infeliz, Feitiço da Vila, João Ninguém) são antológicas. Mas as minhas preferidas são as feitas para Céci, seu maior amor. A menina era, para usar um eufemismo, uma “mulher de cabaré”. E para ela compôs músicas de forte apelo, sem cair no lirismo bobo tão comum naquela época. As letras são extremamente diretas e cruas, como Dama do Cabaré, Pra que Mentir, Ilustre Visita e Último Desejo. Inigualáveis.

3º - João Gilberto

O baiano é o maior exemplo de coerência musical que se tem notícia no Brasil. Desde 1958, quando gravou o elepê Chega de Saudade e popularizou seu estilo revolucionário de cantar e tocar violão, Joãozinho (como Tom Jobim o chamava) se mantém na sua busca esquizofrênica pela batida perfeita. Canta com extrema delicadeza e precisão. Ajudou a matar a breguice musical daquela época. Influenciou decisivamente diversas gerações de músicos de primeira linha (como Chico Buarque, Edu Lobo, Baden Powell). Ao mesmo tempo, jamais se preocupou com notoriedade que não seja ligada à música. Deu menos de uma dezena de entrevistas na vida. Ficou recluso por um longo período até encontrar a batida e a forma de cantar que considerava ideais. Retira-se do palco quando as coisas não estão conforme o desejado. Pede para desligar o ar-condicionado e não gosta que a platéia cante. Ele não se preocupa com o público. Preocupa-se com a música. E isto basta.

4º - Geraldo Pereira

Pixinguinha ficou impressionado quando ouviu pela primeira vez uma música do Geraldo Pereira. Era Se Você Sair Chorando, apresentada a ele por Roberto Paiva, em 1939. O consagrado compositor, que produziu os arranjos para a canção, se disse entusiasmado com a originalidade da melodia. Mais tarde, seus sambas sincopados (uma característica harmoniosa) também chamou a atenção de outros músicos, como João Gilberto. Mas o que mais salta aos olhos (ou aos ouvidos) são as letras. Ele não era dado a romantismo lírico. Preferia a “forma cronista” de compor. Em sua obra, não há espaço pro amor romântico, pras belezas da natureza ou pro brilho da lua. Ele é objetivo, preciso e mordaz. Vide Bolinha de Papel, Escurinho, Você Está Sumindo, Falsa Baiana. Mas a música do coração é Sem Compromisso. Para mim, o maior samba da história. Une harmonia fantástica, machismo e humor sem cair no escracho. Ah, não, não. Sem Compromisso não é do Chico Buarque. Pode confiar.
No próximo capítulo: Nélson Cavaquinho e Paulo Vanzolini.

20 de agosto de 2007

"O menino que fugiu da peça" em SP

Durante este e o próximo mês (veja cartaz inilegível acima), rolará no Espaço Parlapatões, no centro, O Menino que Fugiu da Peça. Oficialmente, é uma peça de teatro voltada ao público infantil. Mas tem um humor irônico (e, às vezes, sarcástico) que agrada todo mundo. É só R$ 10. E, depois, ainda dá pra ir no sambão da Praça Roosevelt, que é do lado.
Veja resenha publicada no Guia da Semana:
O Menino que Fugiu da Peça
Espetáculo inova e foge da obviedade
A fábula escolar O Menino que Fugiu da Peça reestréia no Espaço Parlapatões e fica em cartaz até o dia 16 de setembro. Com canções ao vivo, cenários e figurinos pitorescos e derrubada completa da "quarta parede", o espetáculo procura levantar questões, tanto para os pequenos quanto para seus pais, acerca das noções de autoridade, criatividade e liberdade. O texto de Felipe Sant´Angelo, metalingüístico e provocador, leva todos os espectadores, tanto crianças quanto adultos a encontrarem identificação e questionamento nas situações vividas pelas personagens.
A peça conta a história de Denis, um menino comum, pestinha e bagunceiro, como tantos que encontramos em qualquer escola. Mas quando ele foge da peça de final de ano, seus colegas e professores entram em polvorosa e inicia-se uma divertida e emocionante busca pra descobrir como é que funcionam as complicadas relações entre professores e alunos. O grupo traz para o palco a experiência de rua que desenvolveu ao longo dos últimos anos, sempre buscando o encontro direto com o espectador, tornando-o componente ativo na realização da peça.
Onde: Espaço Parlapatões
Endereço: Praça Franklin Roosevelt, 158 - República
Quando: 18/08 a 16/09 de 2007 (sábados e domingos), às 17h
Quanto: R$ 10

18 de agosto de 2007

Conservadorismo pop

Para começar, agradeçamos a incompetência inicial do Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, ou Cansei, como preferem seus criadores. Essa versão século 21 da Tradição, Família e Propriedade escolheu como suas garotas-propaganda as popstars Ana Maria Braga, Ivete Sangalo Hebe Camargo e Regina Duarte (esta última é a mesma que disse, em 2001, que tinha “medo do Lula”). Com essas mulheres, digamos, tão defensoras de um status-quo perigoso, o Cansei perde credibilidade antes de ganhar fôlego.
O movimento sugere um envolvimento nacional contra alguns problemas. Crise aérea, violência e outros itens que ainda não ficaram claros. Apesar de obscuro em alguns pontos, é límpida sua intenção maior: criar uma oposição popular e organizada contra o Governo Federal.
Porém, é um movimento excludente e elitista. Não ouvi que se cansaram da miséria, da desigualdade econômica, do salário mínimo, das condições das favelas ou das penitenciárias parecidas com calabouços da Idade Média. Alguns dirão: “Eu ganho dois salários mínimos por mês e apoio o Cansei”. Eis o ponto. Boa parte da classe média e classe média baixa da população tem o mesmo pensamento de quase toda a elite econômica: defesa da propriedade privada, conservadorismo, tolerância à exclusão social, ao preconceito racial e ansiedade por uma “limpeza social tão necessária a este País”.
Mas, a pergunta fica: por que só se cansaram agora? O Brasil tem um Governo Federal que, se não foi escolhido uma das novas sete maravilhas do mundo, ao menos é melhor - ao se levar em conta os índices costumeiros - em décadas. Estamos fortalecidos economicamente. A miséria diminuiu. O emprego aumentou. A educação está mais democrática (mas ainda ruim, é verdade). Temos relevância externa sem paralelo na história. Ah, será que se cansaram por termos um presidente “nordestino, analfabeto e bebum”?
Em 1964, a contra-revolução que levou os militares ao poder também tinha apoio popular. Também estava cansada de sei-lá-o-quê. Também ansiava por um governo de “pulso mais firme”. Conseguiram. Espero que desta vez continuem sendo incompetentes.

5 de agosto de 2007

Escurinho

“Você só dança com ele, diz que é sem compromisso”. Alguns dizem que o samba deste verso acima é do Chico Buarque. Outros, do Noel Rosa. Há ainda os que juram ser do João Gilberto – apesar de o baiano ter feito menos de uma dezena de música na vida. Na verdade, Sem Compromisso é do genial Geraldo Pereira, autor desta e de outras músicas preciosas, como Bolinha de Papel, Cabritada Mal-Sucedida, Na Subida do Morro, Pisei num Despacho, Escurinho e por aí vai.

Adorado por quem entende de samba, desconhecido para iniciantes, Geraldo está entre os maiores nomes da música brasileira. E, só pra variar, sem o devido reconhecimento ao seu talento singular. Por esta razão, criei um blog novo só para se falar sobre este sensacional sambista mineiro-carioca:

http://geraldopereira.zip.net/

Não esperem (falo no plural como se este blog tivesse muitas visitas...) apenas análises científicas sobre sua obra. Haverá espaço para simples relatos sensoriais acerca da sua música e da sua vida. Certamente, assunto não faltará. Apareçam (...) por lá!

21 de julho de 2007

Ataque histérico coletivo

Há alguns meses se iniciou uma campanha para a escolha das sete novas maravilhas do mundo. Não entendi direito sobre o que se tratava, qual instituição estava organizando a disputa e quais eram os outros concorrentes. Esqueci o assunto. De repente – “e não mais que de repente”, como diria o poeta – houve uma semi-comoção nacional para a escolha do Cristo Redentor. Um daqueles ataques de ufanismo burro e sem propósito tão comum por estas terras. Colocaram a bonita estátua acima do Corcovado, inclusive, a frente de verdadeiras obras para a humanidade, como o Taj Mahal e Macchu Picchu. E, logo depois, começaram os jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. E este é o tema desta postagem.

Mal assisti às disputas pela tevê. Mas, o pouco que vi, foi irritante. Aquele povo que pouco conhece esportes, mulheres de classe média que não sabem o que acontece além dos seus quintais, homens jovens a beira de um ataque histérico. Todos nas arquibancadas “mostrando sua brasilidade” e torcendo como loucos (“loucos” é eufemismo) para esportes tão populares como o badminton, a esgrima e o pólo aquático.

“Brasil, Brasil, Brasil”, brada a torcida. Choram, se emocionam, idolatram atletas os quais nunca ouviram falar na vida e que só vão saber que ainda existem se estiverem nas Olimpíadas de Pequim.

O fato é: brasileiro não sabe ser torcedor – como os argentinos sabem, por exemplo. Vivem apenas de emoções artificiais e pontuais, quando vêem uma camisa amarela na quadra ou no campo. Não se importam com a falta de estrutura esportiva do País, com o indício de roubalheira de boa parte das confederações esportivas, com mais nada que esteja alheia àquela disputa. Eles amam os atletas brasileiros, apenas isto.

A mesma coisa aconteceu quando a seleção mais chata da história conquistou a Copa América, na Venezuela. Um técnico inexperiente e prepotente ao mesmo tempo, quatro volantes no lugar que deveria haver ao menos dois craques e um tal de Robinho que joga menos do que o Galvão Bueno pensa. Ganhou? Ganhou. Mas e daí? Uma vitória com esses ingredientes indigestos não trazem alegria alguma. Mas é a chance de muitos voltarem a gritar, como acontece comumente neste Pan-Americano: “Ahhhhh, sou brasileirooooooooooooooo”. Apesar do “muito orgulho" e o "muito amor” serem completamente efêmeros.

19 de abril de 2007

Tá chegando, tá chegando!

"Noel - Poeta da Vila", dia 25 de abril, às 20h, no Sesc Pinheiros.

Aeeeeeeeeê!

24 de março de 2007

Excluída do clube

Toca a cuíca, toca a cuíca: ............. Faz-se silêncio no papel, pois como se reproduzir em tipos o som duma cuíca? Enquanto o cavaquinho, o violão – de seis ou sete cordas -, o tamborim e o tão exaltado pandeiro continuam dançando, a cuíca fica lá, sozinha, chorando na contramão.

De tão dispensável, se torna gloriosa quando aparece. Revoluciona o já esperado, com carradas de razão. Olhada por cima, ela entra pelo paralelo e se torna inatingível. Está blindada, mas nunca entra no clube.

É o retrato de dois terços desta civilização encruzilhada. É considerada ingênua e excluída. Quando aparece e faz bonito aplausos ecoam, depois a esquecem num canto e a vida continua. Sem se lembrar do seu lamento.

22 de janeiro de 2007

Acertei no milhar

Espero que ninguém se irrite e nem me ache falso. Ultimamente ouvi muito a conversa de “o que faria se ganhasse os R$ 50 milhões da Mega Sena”, e sorri – e até mesmo entrei no papo – na maioria das vezes. Mas esse assunto é mais insuportável do que uva passa no arroz. “Colocaria tudo no banco e viveria de rendimentos”, dizem com ar sábio, de quem teve uma sacada genial, 94% das pessoas. E depois emendam: “Renderiam R$ 130 mil por mês” (na verdade, esse número varia de pessoa pra pessoa. Mas a média é essa).
Vivemos de frisons temáticos contagiosos. E até as obras do Metrô de São Paulo ruírem, esse era o assunto da moda. Todos queriam apostar para concorrer à bolada. “Tenho de jogar. São R$ 50 milhões”, e filas intermináveis se formaram nas lotéricas de todo o País. Não faz sentido algum. Por que não há filas quando o prêmio é de R$ 30 milhões, por exemplo? Realmente é uma psicologia complexa. “Ah, R$ 30 milhões, não. Vou esperar chegar aos cinqüentinha”.
Parece que não querem ser ricos. Mas, sim, os mais ricos. Mas, além de “colocar na poupança e viver de rendimentos", as pretensões não são altas. Os desejos mais comuns são viajar pra Paris, ter um carrão, comprar uma fazenda e até andar de táxi diariamente. Coisas que um milhãozinho resolveria fácil, e ainda sobraria troco pra dar um pulinho na Bahia. Também gostaria de ganhar, claro. Entretanto ainda não foi dessa vez que apostei. Ah, e o que eu faria caso acertasse os seis números? Como diria Moreira da Silva no clássico Acertei no Milhar (de Geraldo Pereira e Wilson Batista), “compraria um avião azul para percorrer a América do Sul”.