1 de março de 2011

Sarro de Chico Buarque tornou-se hino contra a ditadura

Havia um ano que Chico estava auto-exilado na Itália. Soube por um amigo que a situação por estas terras havia melhorado. Não foi o que viu quando desembarcou no Rio em 1970. O cenário era de censura, tortura e arbitrariedades promovidas pelo governo. A situação o inspirou a criar Apesar de Você, que sairia em compacto, com Desalento do outro lado. Era uma mensagem quase direta ao governo militar (e, não se sabe se disfarçando ou não, Chico diz que essa é uma de suas poucas músicas direcionadas à ditadura).

O compositor enviou a canção à censura sem muita esperança que fosse aprovada. Não se sabe como, mas a música voltou liberada e sem cortes. O compacto vendeu mais de 100 mil cópias em menos de um mês. Quando o governo se tocou que o “você” da letra poderia ser o presidente militar Emílio Garrastazú Médici, o refrão já estava na boca do povo: Apesar de você / Amanhã há de ser outro dia...

A polícia invadiu a gravadora. As cópias foram destruídas. O censor que liberou a letra foi punido. O compositor foi chamado para explicar quem era o “você” da canção. Chico saiu-se com essa: “É uma mulher muito mandona”. A partir daí, as composições do ex símbolo do bom-mocismo começariam a ser recebidas com má vontade especial pelos censores.

A canção tornou-se uma espécie de hino contra a ditadura militar. Numa carta a Vinicius de Moraes, Chico explicava com despojamento a experiência de gravar uma de suas primeiras músicas contra a ditadura.“Deu bolo como o Apesar de Você, tenho sido perturbado e o disco deixou de ser prensado. Mas deu para tirar um sarro”.