13 de maio de 2010

Nike não é bem-vindo no baile da saudade

Lá fui eu - de Nike... - num baile da União Fraterna, um dos últimos bailes da saudade de São Paulo. O texto foi publicado na edição de maio do Almanaque Brasil.

Abril de 2010. Noite fria em São Paulo. O repórter do Almanaque começa a subir a escadaria coberta por um tapete vermelho. A senhora da recepção adverte, de forma educada: “Você é o Bruno da revista, né? Seja bem-vindo. Só esqueci de avisar que não pode entrar de tênis”. A ondinha do Nike cinza chama mais atenção do que diamante naquele ambiente repleto de sapatos pretos, clássicos e engraxadíssimos. O cenário é o salão do União Fraterna, na zona oeste de São Paulo, um dos últimos redutos da pauliceia onde ocorre um autêntico baile da saudade.

A recepcionista abre exceção ao incauto e o coloca numa mesinha perto da entrada. O amplo salão impressiona: lustres extravagantes, florões decorando as paredes e o teto. O prédio, construído em 1934, é tombado desde 1994. Serviu de cenário para o filme Chega de Saudade, de Laís Bodanzky, lançado em 2008. A banda comanda a festa com boleros, valsas e músicas italianas. Todo mundo ali tem de 60 anos pra cima. O repórter, com seus 30 e poucos, é disparadamente o mais jovem. E certamente o mais mal-vestido.

O clube é antigo. Foi fundado em 1925, a partir da união de duas associações, uma delas de imigrantes italianos. A história é contada por Henrique Zanferice, um dos diretores. Ele também explica sobre os trajes: “Até um tempo atrás, era só homem de terno ou smoking e mulheres de vestidos longos. Mas muita gente morreu e era uma dificuldade atrair novos frequentadores. Passamos a ser mais liberais, deixar entrar de esporte fino. Mas, pode olhar: é raro ver uma de dama de calça”.

Em algumas mesas, destacam-se senhoras vestidas com coroas e faixas transversais sobre o peito, com os dizeres: “Rainha do Baile União Fraterna”. Elas são eleitas anualmente, e hoje é dia de homenageá-las. Sete estão presentes, com seus “reis” à tiracolo.

A ocasião também serve para coroar a rainha das rainhas, dona Ester, de 100 anos. Ela faz questão de corrigir: “100 anos e dois meses”. “Frequento o baile desde que tenho 10 anos. Venho porque gosto de dançar”, explica, da forma mais objetiva possível.

Depois é hora de danças coreografadas ao somde músicas espanholas. Oito casais se põem no centro do salão. Os homens se armam com lenços brancos à mão direita. “É uma forma elegante de não colocar a mão diretamente nas costas da dama”, explica um dos frequentadores, mais experimentado. Ao fim da música, cada cavalheiro acompanha a parceira até a mesa. “Seria uma grosseria deixar a dama voltar sozinha”, esclarece o dançarino.

A volta da banda garante novo ânimo aos cerca de 100 presentes. As canções se tornam mais modernas: baiões, sertanejos, sambas invocados. Rodas se abrem. Casais se dão as mãos e giram pelo ambiente. O cantor, para agradar, lança a clássica pergunta: “Tem corintiano aí?”, e a casa quase vem a baixo.

Já está perto de uma da manhã, hora do encerramento. “Você acha que acabou? A turma toda ainda vai tomar um caldinho por aí”, ressalta uma animada dançarina, que completa: “Hoje, a noite só termina altas da madrugada”.

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