26 de fevereiro de 2008

Direito de resposta (ou: disputa de peso-pesados)

Herivelto Martins X Dalva de Oliveira. Noel Rosa X Caetano Veloso. Geraldo Pereira X Chico Buarque. Mas por que há esse “X” entre os nomes, pergunta um dos meus dois leitores. Ora, atento freqüentador deste mambembe blog: são os casos clássicos em que um músico compôs músicas rebatendo uma canção de um outro compositor. Excluo a famosa briga entre Noel Rosa e Wilson Batista porque esta merece um tópico a parte. Esse confronto de eu-líricos rendeu músicas fantásticas. No fim, vocês, leitores, escolhem o vencedor. Caso empate em um a um, dou o voto de minerva. Vamos lá:


Briga de casal se tornou briga musical

Herivelto Martins foi um dos compositores mais fantásticos da música brasileira. Dalva de Oliveira, uma cantora exata e carismática. Eles eram casados, mas viveram um amor entre altos e baixos, com direito a brigas homéricas. E, pra nossa sorte, esse drama conjugal acabou se tornando música. E que músicas.

Dalva não era compositora. Então pedia canções a outros músicos. E tudo começou quando cantou pra Herivelto a música Errei, Sim, encomendada a Ataulfo Alves: “Errei sim, manchei o teu nome, mas foste tu mesmo o culpado, deixava-me em casa me trocando pela orgia, faltando sempre com a tua companhia”. No fígado!

Mas Herivelto apenas ficou grogue. Ao se recuperar, escreveu de próprio punho a clássica Cabelos Brancos: “Não falem desta mulher perto de mim, não falem pra não lembrar minha dor. E agora em homenagem ao meu fim, não falem dessa mulher perto de mim”.

Era o momento, então, de Dalva acertar o queixo do adversário, com a música Fim de Comédia, também de Ataulfo Alves. E que direto! “Desse amor quase tragédia, que me fez um grande mal, finalmente essa comédia vai chegando ao seu final. Já paguei todos os pecados meus, o meu pranto já caiu demais, só lhe peço pelo amor de Deus, deixe-me viver em paz”.

Seu amado (?) chegou a beijar a lona, mas se levantou com sangue nos olhos. E fez a belíssima Caminhemos, em que dizia: “Faça de conta que o tempo passou. E que tudo entre nós terminou. E que a vida não continuou pra nós dois. Caminhemos, talvez nos vejamos depois”.

Parece que a música abalou a pugilista. Então, em composição de Rossini Pinto, se lamentou: “Que será, da minha vida sem o seu calor, da minha boca sem os beijos seus, da minha alma sem o seu calor”, da música Que Será.

Fortalecido novamente, Herivelto arrematou com Segredo, em parceria com Marino Pinto: “Teu mal é comentar o passado. Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois. O peixe é pro fundo das redes, segredo é pra quatro paredes. Não deixe que males pequeninos venham transformar o nosso destino (...).A felicidade para nós está morta. E não se pode viver sem ela. Para o nosso mal não há remédio, coração. Ninguém tem culpa de nossa desunião”.

Os juízes vão ter trabalho. Acredito que dê empate técnico. Ou uma leve vantagem a Herivelto.

Machismo e feminismo extremos

Ao menos, é sincera. Mas escrita de uma forma pesada e extremamente cerceadora. Assim é Pra que Mentir, do nosso peso-pena Noel Rosa. Outro lutador, desta vez o peso-pluma Caetano Veloso, tomou as dores e se lançou com Dom de Iludir, que também soa extremamente sincera. A luta franca deixa o resultado em aberto.

Noel se sente confuso com a suposta dissimulação da amada. Não sabe se ela sente um ódio sincero ou um amor fingido. E nem deixa claro qual dos dois prefere. Apenas pergunta, com sua voz pequena e sofrida: “Pra que mentir se tu ainda não tens a malícia de toda mulher?”.

Caetano não quer saber de brincadeira, e tenta resolver a questão nos primeiros minutos. “Não me venha falar na malícia de toda mulher. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Tornou a frase clássica, mas ainda não nocauteou Noel. Então continua, agora mais agressivo: “Cale a boca e não cale na boca notícia ruim”.

Noel apenas se protege, com os antebraços postos a frente do rosto. Caetano, já cansado, finaliza com “Como quer que a mulher vá viver sem mentir?”, mas sem causar grandes danos ao pugilista da Vila. Os adversários estão esbaforidos e o gongo toca. O juiz aparta os lutadores. Torço por Noel, mas admito que Caetano aplicou bons golpes. Será que houve outro empate?


Deixa a menina? Porque a menina não é sua

Na disputa entre Sem Compromisso, de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, e Deixa a Menina, de Chico Buarque, serei tendencioso. Dez a zero pro Geraldo já no primeiro round. No segundo, Chico é nocauteado mas se levanta. Já no terceiro Geraldo acaba com a peleja. Há controvérsias.

Em Sem Compromisso, Geraldo demonstra ser um cara sincero com seus sentimentos masculinos. Levar sua preta pro samba e, de repente, a dita-cuja estar “batendo palmas e pedindo bis” nos braços de um outro qualquer é inadmissível. O que resta a dizer?, senão: “É bom acabar com isso, não sou nenhum pai João. Quem trouxe você fui eu, não faça papel de louca, pra não haver bate-boca dentro do salão”.

E Chico aparece como aqueles caras chatos, metido a bonitões, que se sentem superiores. Imagina, meu incauto leitor: sua morena lá, das dez da noite às seis da manhã, se acabando em um salão lotado de homens sempre tão gentis E um cara põe a mão no seu ombro e diz: “Pára com isso, mermão. Deixa a menina sambar em paz”. A coisa mais civilizada a responder é: “Deixa a Marieta dançar em paz e não me apareça mais por aqui, sangue bom. E vamô embora agora, mulher!”. Ponto final e luta decidida.

2 comentários:

Tauil disse...

Não gostei porque você usou o avatar do Ivam no Orkut!

Daniel disse...

Serei sucinto.

No primeiro embate da Herivelto, com pequena vantagem.
No segundo, Noel ganha poe puro respeito do oponente, que poderia tê-lo derrubado, mas hesitou. Afinal, tratava-se de Noel Rosa. Depois desse inusitado momento, vitória fácil do "sem queixo".
No terceiro embate, não há como dar outro veredicto que não seja o empate. As duas músicas se completam.
Geraldo sai na frente com "sem compromisso", um dos maiores momentos da música brasileira, mas Chico Buarque completa com Chave de ouro com "Deixe a menina".