10 de junho de 2010

Cabo Laurindo, um herói inexistente da música brasileira

Ouça as músicas enquanto lê o texto. Vai ajudar a entender a saga desse misterioso personagem da música brasileira. A gravação é dos irmãos Chico e Cristina Buarque.

Um personagem inusitado surgiu na música brasileira em 1943. Era Laurindo, protagonista da canção homônima de Herivelto Martins composta para o carnaval daquele ano. A música era uma continuação de Praça Onze, esta primeira sobre a destruição da praça onde as escolas de samba cariocas desfilavam.

No novo samba, o personagem subia o morro comemorando: Não acabou, a Praça Onze não acabou / Vamos esquentar nossos tamborins. O nome “Laurindo” também tinha sido usado num samba de Noel Rosa na década anterior, mas a foi a partir da canção de Herivelto que começaria a inspirar outros compositores da cidade.

Afinal, quem era Laurindo? Ninguém. Ele nunca existiu, mas caiu nas graças dos sambistas da época (até hoje não se sabe por quê). O mais notório continuador da saga de Laurindo foi o sambista Wilson Batista. Com uma diferença. O compositor transformou-o num diretor de bateria da Mangueira, mas que parou as atividades carnavalescas para lutar na Segunda Guerra Mundial. Como conta a letra de Lá Vem Mangueira: Lá vem Mangueira / Sem Laurindo na frente da bateria/ Perguntei: Conceição, o que aconteceu? / Laurindo foi pro front, este ano não desceu.

Só que Wilson tratou de dar um final feliz para o soldado. Em Cabo Laurindo, em parceria com Haroldo Lobo, o pracinha voltava intacto do campo de batalha, “coberto de glória, trazendo garboso no peito a cruz da vitória”.

A história não pararia por aí. Haveria ainda uma terceira canção, Comício Em Mangueira, desta vez numa parceria com Germano Caetano. A letra e a melodia são emocionantes.

A música conta sobre um discurso do soldado logo após a volta triunfante: Houve um comício em Mangueira / O cabo Laurindo falou / Toda escola de samba aplaudiu / Toda escola de samba de samba chorou/ “Eu não sou herói” / Era comovente a sua voz / “Heróis são aqueles que tombaram por nós”.

Não faltou gente que acreditasse que Laurindo existisse de fato. Menos o compositor Zé da Zilda, que tratou de desmascarar o impostor num samba. Na letra, afirma que o sujeito é tratado como herói, porém “nem saiu de Niterói”. E que sua única participação na guerra foi a de ficar “na retaguarda aplaudindo a nossa gente”.

Depois de tantas músicas, chegou a um ponto de Wilson Batista não suportar mais ouvir sobre o herói fictício. O compositor chegou a planejar matá-lo num crime passional. Laurindo seria encontrado assassinado numa viela do morro da Mangueira, mas a canção nunca saiu.

A cantora Cristina Buarque diverte-se com a história. Cristina, que gravou parte das músicas sobre Laurindo, ainda tem dificuldade de entender por que o inexistente veterano da Segunda Guerra caiu nas graças de sambistas da década de 1940. Numa entrevista, a cantora disse, entre risos: “Comício Em Mangueira é um negócio emocionante. A volta de Laurindo, o discurso, as pessoas chorando. E é tudo mentira!”.

3 comentários:

Lis disse...

e uma mentira nunca foi tão doce...

Anônimo disse...

faltaram outros Laurindos q vieram antes com Noel Rosa, Geraldo Augusto e Peçanha

sertania41 disse...

E tem um samba que diz mais ou menos assim:

Laurindo tirou as tamancas
Subiu no morro gritando:
Desperta mangueira que a turma vai ensaiar
Não deixe o tambor esfriar
Não poder perder pra ninguém
Vamos mostrar à cidade
Mangueira esse ano desce também
E a turma gritou: Obá, Obá!