27 de outubro de 2009

Um sambista de calçada


Junho de 2000. O cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, entardeceu transformado. Uma pequena multidão evocava canções inesquecíveis entre sorrisos e lágrimas. Tudo em respeito a um pedido de João Nogueira: “Quero que o meu velório se transforme numa festa em homenagem ao samba”. Poucos, com a sua ginga e carioquismo, foram tão a cara dos subúrbios cariocas, dos sambas feitos em mesas de lata. Ele mesmo se definia: “Não sou nem do morro e nem do asfalto. Sou um sambista de calçada”.

Foi assim desde pequeno. João Batista Nogueira Júnior nasceu em 12 de novembro de 1941 no Méier, subúrbio da zona norte do Rio. O menino vivia solto pelas ruas, sempre pronto para aprontar uma molecagem com os vizinhos. Mas bastava um olhar de desaprovação do pai para ficar quietinho. O homem sério, severo, mas nunca agressivo, era o grande ídolo do pequeno João. “Quando eu acordava e o via, era como se estivesse vendo Deus”, diria, décadas mais tarde.

Foi com o pai, violonista dos bons, que João começou a pegar gosto pela música. As visitas que a casa recebia ajudavam o projeto: Pixinguinha, Donga, João da Baiana. Mas quando tinha apenas 10 anos, o pai morre. Um baque para o menino, que teve que sair para trabalhar: office-boy, vitrinista, bancário.

A diversões eram as rodas de música nos botecos do bairro – já compunha, mas sem pretensão profissional. Os blocos carnavalescos também o animavam, em especial o Labaredas do Méier, do qual começou a se aproximar aos 17 anos. João ganhava todos os concursos para a escolha de sambas – a disputa até perdia a graça. Nessa época, gravou o primeiro disco, um compacto que não rendeu repercussão alguma.

Um dos que perceberam que o menino era bom de fato foi Paulo Valdez, filho da cantora Elizeth Cardoso. Ao ouvir mais um belo samba, sugeriu que fosse falar com Elizeth – afinal, ela estava pra gravar um disco. João não levou muito a sério: “Eu achei que fosse papo de quem tá de porre e promete tudo. Imagina, ter uma música gravada pela Divina...”. Não era, e por sorte o encontro foi marcado. No elepê Falou e Disse, ela soltava a voz em Corrente de Aço. Logo depois, João conseguiu entrar para a ala de compositores da Portela. A carreira começava a deslanchar.

Sendo samba, João entendia

A partir dos anos 1970, começou a lançar um disco atrás do outro, nos quais se destacava seu estilo original, sincopado, difícil de classificar. Os sambas de João tudo continham (às vezes ao mesmo tempo): partido alto, bossa, samba tradicional, de exaltação, seresteiros, afro-sambas. As letras também eram dos mais diferentes tipos. Começou a se aproximar de novos parceiros. O mais contante seria Paulo César Pinheiro. Com ele gravou, em 1975, o maior sucesso da música brasileira daquele ano: Mineira, em homenagem à cantora Clara Nunes, que era casada com Paulo.

Outra canção com o parceiro preferido tornaria-se a mais emblemática da carreira: Espelho, na qual relembra com extrema beleza a infância suburbana e a figura do pai: Num dia de tristeza me faltou o velho / E falta lhe confesso que ainda hoje faz... Em 1983, com a morte de Clara , ainda faria em parceria com Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte a canção Um Ser de Luz. “Éramos os maiores parceiros dela. Cada vez que a gente se encontrava para terminar a música era um derramar de lágrimas”.

Clube do Samba

“Em 1979 não se ouvia música brasileira no Brasil”, dizia João Nogueira. No fim daquela década, as rádios estavam infestadas pela música de discoteca, influenciada pelo filme Embalos de Sábado À Noite e pela novela global Dancing Days. Os sambistas passavam um perrengue danado pela falta de lugar para gravar e se apresentar. Engajado, João decidiu criar um local onde os artistas poderiam discutir sobre música e mostrar obras novas – e antigas também. Surgia o Clube do Samba.

A primeira reunião ocorreu no quintal da própria casa. Mais de 100 artistas marcaram presença. Entre eles, Martinho da Vila, Clementina de Jesus e Nelson Sargento. Um verdadeiro quartel-general em defesa da cultura brasileira. A primeira música tocada pelo presentes não poderia ser mais precisa: Samba, agoniza mas não morre / Alguém sempre me socorre / Antes do suspiro derradeiro... O Clube do Samba existe até hoje, e desfila durante o carnaval pela avenida Rio Branco.

Na avenida

Em 1984, houve um movimento de dissidência da Portela motivado por diferenças de alguns integrantes com o presidente Carlinhos Maracanã. Um grupo criou a escola de samba Tradição. João Nogueira e Paulo César Pinheiro foram chamados para ser os compositores dos sambas-enredos. Melhor impossível. Em apenas três anos, numa subida meteórica, a escola saiu do grupo II-B (algo como a quarta divisão) para o Grupo Especial.

Durante os anos subsequentes, João não pararia de lançar discos e de viajar pelo País em apresentações concorridas. Quando estava prestes a lançar o 19º elepê, sofreu um enfarte em casa. Seu samba emudecia. Com ele morria um estilo único.

Na marcha pelas alamedas do cemitério, a pequena multidão soltou, em uníssono, um derradeiro e comovente canto de despedida, lembrando-se da música que João havia feito para Clara 17 anos antes: Sabiá / Que falta faz sua alegria / Sem você / Meu canto agora é só melancolia / Canta, meu sabiá / Voa, meu sabiá / Adeus, meu sabiá / Até um dia...

4 comentários:

Lis disse...

Farei a réplica aqui mesmo.

Duas opções: eu não me expressei da melhor forma pra me fazer entender ou tens uma leve dificuldade de interpretação.
rsrs.

E agora?
É de se imaginar a escolha dos dois.


;*

Unknown disse...

Olha, confesso que terminei de ler o texto com lágrimas nos olhos. Como eu tenho saudade duma época que não vivi!Salve, João! sua voz ainda ecoará por muitos e muitos anos!

Unknown disse...

grande joão nogueira!

Anônimo disse...

parabens pelo blog...
Na musica country VIRGINIA DE MAURO a LULLY de BETO CARRERO vem fazendo o maior sucesso com seu CD MUNDO ENCANTADO em homenagem ao Parque Temático em PENHA/SC. Asssistam no YOUTUBE sessão TRAPINHASTUBE, musicas como: CAVALEIRO DA VITÓRIA, MEU PADRINHO BETO CARRERO, ENTRE OUTRAS...
é o sonho eterno de BETO CARRERO e a mão de DEUS.